Preço sobe e vendas de televisão encolhem

28/09 – Fonte: Valor Econômico

 

Consumidor também deixou notebooks nas lojas em agosto, segundo dados da GfK

 

Por Daniela Braun – de São Paulo

 

A alta nos preços está afetando as vendas de eletroeletrônicos e eletrodomésticos. Em agosto, o volume de televisores vendidos no país caiu 28,7% em relação a julho, enquanto as unidades vendidas de notebooks recuaram 13,8% segundo dados da empresa de análises de mercado GfK. Também há queda em relação a agosto do ano passado, para as duas categorias.

 

No sentido contrário, os preços ao consumidor mantêm a escalada. Certas linhas de produtos têm sofrido reajustes frequentes desde o ano passado, o que naturalmente desestimula a demanda. Nos últimos 12 meses, TVs passaram a custar 30% mais, notebooks tiveram alta de 40% e smartphones, de 30%.

 

Em refrigeradores, embora o patamar de vendas esteja superior em relação a agosto de 2020, em 14,8%, a comparação com julho deste ano mostra queda de 22,5%. A categoria teve uma alta de preços de 13% em 12 meses até agosto, segundo a GfK.

 

 

Este ano, a expectativa dos fabricantes do setor é equilibrar o faturamento na Black Friday, que neste ano cai em 26 de novembro. Mas o desafio é maior diante da alta nos preços e da queda do poder de compra do brasileiro.

 

Desde o início da pandemia, há 19 meses, produtos de linha branca tiveram quatro reajustes de preços, apurou o Valor. A pressão vem, em especial, do câmbio, que encarece importações, e do frete marítimo.

 

Varejistas projetam aumentar as vendas em um dígito na temporada promocional deste ano, que vai até o Natal. A expectativa dos fabricantes “é ao menos igualar o faturamento [da Black Friday] de 2020, ainda sem recuperar as unidades vendidas em 2019”, diz José Jorge Júnior, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros). “O grande atravancador para não alcançarmos pelo menos um faturamento igual ao das vendas de 2020 é uma retração no consumo por conta dos preços”, diz.

 

No comércio eletrônico, a Black Friday de 2020 registrou 6 milhões de pedidos e R$ 4,2 bilhões em vendas, considerando todas as categorias de produtos. Os números superam em 25,1% o faturamento e em 15,5% o volume de unidades vendidas em 2019, informa a eBit Nielsen. No segmento de linha branca, as unidades vendidas na Black Friday do ano passado ficaram 1% abaixo do volume de 2019, segundo a Eletros. Já na linha marrom, unidades vendidas sobre o ano anterior. O pior resultado ficou entre os eletroportáteis, que tiveram retração de 10%, em unidades vendidas, no período.

 

Indústria e varejo se esforçam para atrair o consumidor às lojas, mas o problema é que “o consumidor está com a corda no pescoço”, diz o diretor de inteligência de mercado da Gfk no Brasil, Ricardo Moura. A inflação acumulada nos últimos 12 meses, até agosto, bateu em 8,99%.

 

Outro ponto desfavorável para ampliar as vendas neste ano é que uma parte dos consumidores já foi às compras no ano passado – a partir do segundo trimestre de 2020 a demanda por eletrodomésticos e eletroeletrônicos cresceu, pois, as pessoas queriam equipar a casa durante o isolamento social. Mas Jorge Júnior pondera que ainda há um mercado de milhões de habitantes a desbravar.

 

Diante de uma queda de 30% nas vendas de televisores desde julho, a TPV, multinacional chinesa que fabrica as linhas de televisores Philips e monitores AOC em Manaus (AM), espera equilibrar as vendas do segundo semestre na Black Friday, diz Eduardo Brunoro, diretor-geral da empresa.

 

Este ano, a TPV vai manter o mesmo volume de produção de 2020, em até 13 milhões de telas. “Estávamos prevendo produzir um pouco mais, mas, no segundo semestre, vimos que houve queda na demanda e isso é muito atrelado à economia”, diz Brunoro.

 

O executivo conta que a negociação de preços com o varejo tem sido “uma tarefa hercúlea” diante do aumento nos custos das telas de LCD – em falta no mercado global. Na negociação com os varejistas, a TPV tem conseguido repassar 70% da elevação de custos de produção.

 

Em outubro a TPV lança televisores com telas de 50 a 75 polegadas estreando o sistema operacional Android, do Google, com foco em consumidores de maior poder aquisitivo, e uma linha de monitores para jogos eletrônicos, com telas maiores. “O mercado vai atuar fortemente na atualização de tamanho das telas”, diz Brunoro.

 

Apesar da alta de 10% nos preços de produtos importados da China, a Usina de Vendas, distribuidora de smartphones e dispositivos vestíveis como relógios inteligentes, espera fechar o ano com 520 mil dispositivos vendidos, alta de 55,2%, sobre os 335 mil itens vendidos em 2020. “O mercado poderia estar melhor, mas ainda assim não podemos reclamar da projeção de crescimento”, diz Marco Antonio Palma, CEO da empresa.

 

Para amortecer o repasse da alta dos custos de importação, a distribuidora trocou o frete aéreo pelo marítimo durante a pandemia. Mesmo com o poder de compra reduzido, na avaliação de Palma, o consumidor que volta às ruas tende a trocar o smartphone. “”Mesmo com a atividade econômica estagnada, muita gente pensa em trocar de aparelho por conta do deslocamento [de casa de volta ao local de trabalho]”, afirma.

 

Diante de estoques enxutos, em grande parte devido à falta de componentes e ao aumento na demanda desde o início da pandemia, fabricantes e varejistas precisam escolher apostar no apelo de promoções da Black Friday ou esperar por uma melhora no poder aquisitivo dos consumidores até o Natal, diz Moura, da GfK. “Esse é o ponto de decisão deles”, afirma. “Não há produtos suficientes para as duas datas”.

 

O diretor da TPV diz que a escolha será pela Black Friday, como nos últimos três anos. “O Brasil já absorveu a cultura da Black Friday para abastecimento próprio e o Natal ficou com as compras de lembrancinhas”.

 

A Panasonic se baseia em eletrodomésticos que consomem menos energia para atrair consumidores, em meio à crise hídrica no país. “Acredito que o mercado deve se retrair pelo tema da inflação muito alta e o índice de desemprego ainda alto”, avalia Sergei Epof, vice-presidente de linha branca da Panasonic no Brasil. “Mas entendemos que há oportunidade de vendas pela redução de consumo de energia”, complementa.

 

Na expectativa pelas vendas de fim de ano, a Panasonic manteve o plano de elevar em mais de 10% a produção anual de refrigeradores e lavadoras de roupas na fábrica de Extrema (MG).

 

Para segurar a alta de preços de insumos, que chegou a 150% no aço, a empresa incluiu materiais recicláveis e restos de peças plásticas na embalagem e na tampa inferior dos produtos. “São materiais sem finalidade estática ou que não têm função mecânica”, diz Epof.

 

A negociação do dissídio dos trabalhadores do setor, em torno de 10% de reajuste, também entra para a conta dos fabricantes, lembra o executivo.

 

Inflação e juros podem prejudicar o Natal

Auxílio Brasil e contratação de temporários ajudariam a dar certo fôlego às vendas no fim de ano

 

Por Adriana Mattos – De São Paulo

 

Não é de hoje que o Natal no varejo tem sido de desempenho instável, e em 2021, o cenário volta a ser de visibilidade baixa e projeções cautelosas. Neste ano, se o avanço da vacinação acelera o tráfego nas lojas, a falta de insumos para produção e a escalada da inflação e dos juros pesam contra a expansão do consumo.

 

A princípio, pelo quadro atual, essa piora da conjuntura econômica tem levado a projeções de alta de um dígito baixo nas vendas de bens duráveis em dezembro sobre 2020, dizem consultorias e redes varejistas. Essas contas ficam mais claras agora porque, após setembro, pedidos de compras firmes passam a ser fechados.

 

Além do ambiente, pesa de forma contrária a forte base de comparação do ano passado, especificamente nos eletrônicos e eletrodomésticos, que se favoreceram da maior demanda por itens para casa e das parcelas finais de um “coronavoucher” mais gordo em 2020. O que pode ajudar a trazer um fôlego novo neste fim de ano é a chegada do Auxílio Brasil e eventual aumento na contratação de temporários, dizem associações.

 

Nesse cenário de juros acelerando e custo do capital mais alto, duas varejistas de eletrônicos ouvidas pelo Valor estudam o repasse da alta da Selic às taxas dos crediários entre o fim de ano e início de 2022. São índices que giram entre 4,5% e 5,5% ao mês hoje nas grandes redes. Segundo a Anefac, associação dos executivos de finanças, que faz relatórios mensais, esse movimento de alta nas taxas já começou: os juros do carnê estão subindo ao longo deste ano, após um 2020 de taxas quase estáveis.

 

“O ritmo [de pedidos de mercadorias à indústria] para o Natal está cerca de 5% superior ao ano de 2020, e pouco mais de 3% acima de 2019”, diz o superintendente de uma rede de móveis e eletroeletrônicos com cerca de 100 lojas e operação online. Para a Black Friday os pedidos dessa rede aos fabricantes estão 4% a 5% acima de 2020, em volume.

 

As vendas neste ano no varejo, em valor, chegaram a mostrar aumento de até dois dígitos, mas é um efeito, em grande parte, da escalada de preços de eletrônicos – em 12 meses, preços das TVs subiram cerca de 30%, segundo dados do IBGE. Em 2020, as vendas em valor na Black Friday avançaram entre 25% e 30%, a depender da consultoria, por conta dos reajustes nas tabelas.

 

Para a área econômica da Confederação Nacional de Comércio e Turismo (CNC), a projeção é de alta de 3,8% nas vendas (em volume) no Natal frente a 2020, considerando produtos em geral, e não apenas bens duráveis. Caso atinja essa expansão, o comércio deve recuperar a perda do ano da pandemia, mas isso tem explicação pelo próprio efeito estatístico, com a base fraca de comparação de 2020, lembra a entidade.

 

Esses dados são projetados pela CNC considerando a pesquisa mensal do comércio do IBGE. Para Fábio Bentes, economista da entidade, uma alta de 3,8% no Natal “não é um desempenho ruim olhando o passado recente com alguns altos e baixos, mas é preciso lembrar que os anos anteriores não foram espetaculares”, diz. “E a comparação de 2020 é afetada pelo comportamento do consumidor, que praticamente não teve período de festas no ano passado.”

 

Bentes lembra que um indicador positivo nesse cenário é a redução do “gap” entre a curva de circulação de consumidores em praças centrais do comércio no país e o ritmo de vendas. Esse índice de circulação é acompanhado pela ferramenta Google Mobility. “De maio para junho, esse ‘gap’ entre as duas curvas vem diminuindo mais, apesar de existir, ainda em agosto, um movimento de clientes 12% abaixo do nível pré-pandemia”, afirma.

 

Para uma das maiores cadeias de eletromóveis do Centro-Oeste, os pedidos à indústria para novembro e dezembro (em volume) estão entre 3,5% e 5,5% acima de 2020 – quando a demanda acelerou – e 7% a 8% superiores a 2019. Para produtos “estratégicos”, como certos modelos de celulares – com risco de faltar pelos problemas de gargalos na cadeia (efeito da escassez de insumos no mundo) – foram colocados pedidos um pouco maiores.

 

A cadeia está comprando porque registra estoques “no volume morto”, na expressão de um diretor. “Tivemos uma boa demanda em julho e em setembro, e não tão boa em agosto, e estamos reforçando as compras pela maior saída nos meses melhores”, diz.

 

Na última década, há anos de queda nas vendas de dezembro, seguidos de outros anos com alta – e nem mesmo a Black Friday, ao se descontar a inflação, tem saído ilesa dessas oscilações.

 

Para Ubirajara Pasquotto, CEO da Cybelar, pode haver um efeito positivo caso o Auxílio Brasil, de R$ 300 mensais, comece a ser pago após o fim do “coronavoucher” em outubro. “Se der tempo de ser pago, o novo recurso deve mudar as perspectivas do setor. Apesar da inflação mais alta e da conta de energia, isso pode ser o fôlego que as redes precisam”.

 

Como nos outros anos, a Black Friday volta a ser antecipada, começando já no princípio de novembro (oficialmente ocorre na última sexta-feira do mês), e deve emendar com dezembro, para se criar ações comerciais que gerem um ambiente mais positivo. Neste momento, as ações têm focado em parcelamentos em até 10 ou 12 vezes no cartão, e até 24 vezes, em média, nos carnês – que cobram taxas de juros mensais.

 

Uma cadeia de móveis estuda elevar sua taxa de juros mensal, de 4,7%, a um índice ainda não definido. “Vamos decidir isso em conselho nesta semana, depois dessas subidas na Selic. Mas, se os concorrentes segurarem mais tempo, pode ser que a gente eleve parcelamento do carnê para os juros caberem no bolso”, diz o diretor financeiro de uma rede com 24 lojas.

 

 

Link: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/09/28/preco-sobe-e-vendas-de-televisao-encolhem.ghtml