ZFM vai sofrer, mas poderá se tornar mais forte no pós-crise

12/04 – Fonte: Em Tempo (online)

Manaus – A recessão economia brasileira, que será causada pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), deve somar prejuízos de até menos 5% sobre o Produto Interno Brasileiro (PIB), segundo estimativas de economistas menos pessimistas. Esse recuo da economia brasileira deverá levar a Zona Franca de Manaus (ZFM) a prejuízos até o momento incalculável na sua receita, segundo os mesmos especialistas. Contudo, será no pós-crise da Covid-19 que o modelo terá a chance de se reinventar diante de uma possível tendência de protecionismo da indústria brasileira, sobre as importações.

 

Segundo o presidente do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM), economista Francisco Assis Mourão Junior, durante a crise do novo coronavírus, é certo que a ZFM sofra com queda no faturamento devido as prioridades de compras das famílias. “Será um impacto enorme, porque a principal preocupação hoje é com o consumo de alimentos, o que está fora do que nós produzimos no Polo Industrial de Manaus (PIM), como televisores, computadores e motocicletas. Nesse momento não se pensa nesse tipo de consumo. Por isso nós vamos passar por uma queda no faturamento”, explica.

 

Apensar da tragédia anunciada sobre a receita do modelo econômico, o presidente do Corecon-AM diz acreditar que Manaus não sofrerá muito com o desemprego na indústria, se a equipe econômica do governo federal não dificultar o acesso aos créditos das medidas econômicas de proteção aos trabalhadores e às empresas. “A maioria das empresas do PIM deve conseguir pelo menos segurar os empregos, com essa medida de empréstimos para capital de giro e a do prolongamento do pagamento dos empréstimos”, diz.

 

Para o economista, depois desse momento de crise, que deve durar até antes do final do ano, Assis Mourão avalia que o mundo na parte econômica vai mudar. “Os países vão começar a pensar na questão de um novo protecionismo, de substituir as importações, melhor dizendo, de se tornarem menos dependente do fator China. Isso para a Zona Franca de Manaus será uma coisa maravilhosa. Vai ser uma nova tendência mundial, que vai nos beneficiar. O próprio Japão já está financiando as empresas para que elas saiam da dependência da China”, comenta.

 

Os países vão começar a pensar na questão de um novo protecionismo, de se tornarem menos dependente do fator China. Isso para a ZFM será uma coisa maravilhosa

Assis Mourão Junior, presidente do Corecon-AM, sobre a tendência de protecionismo no pós-crise

 

Crise histórica

O presidente do Corecon-AM lembra que o modelo ZFM já passou por inúmeras crises e a pior delas foi em 1991, quando o então presidente Fernando Collor abriu o país para as importações. “O modelo soube se reinventar com a criação da política do Processo Produtivo Básico (PPB), com as indústrias produzindo com mais qualidade e até mesmo competindo com os produtos importados”, conta. “Vem a chance da ZFM mostrar a força que ela tem para o mercado doméstico”, diz.

 

O economista observa que, a tendência do protecionismo começou bem antes da explosão do vírus e se tornou mais forte, antes do efeito da Covid-19 sobre o Brasil. “O mundo todo já estava sentindo os efeitos porque a China, onde foi o foco do vírus, parou a sua produção industrial e muitas indústrias estavam parando porque muitos dos insumos que elas precisam vêm de lá. Essa dependência vai acabar”, afirma.

 

Principal fornecedor

O economista Ailson Rezende explica que hoje a China é uma das principais fornecedoras de insumos da ZFM e que os efeitos do coronavírus na economia chinesa influenciam diretamente a produção e o comércio das empresas sediadas em Manaus. Além disso, conforme a pandemia avança em outros países, maiores são os efeitos na balança comercial do PIM e da economia nacional.

“O coronavírus afetou a empresários, empregados, trabalhadores informais e servidores públicos das esferas federal, estadual e municipal, fazendo a economia ainda adoentada retornar ao estado de crise. Nesta situação, muitos temem a perda do emprego, a falta dos reajustes nos proventos e a redução de clientes e renda”, diz Rezende.

 

O presidente da Associação Nacional da Indústria de Eletroeletrônicos (Eletros), José Jorge do Nascimento Junior, informa que as empresas estão paralisadas por dois motivos principais: para poder equilibrar o estoque, uma vez que o comércio está fechado e as indústrias não estão conseguindo escoar sua produção; e pela falta de insumos, visto que os fornecedores pararam e os produtos não estão chegando a cidade de Manaus.

 

Apesar deste cenário, o presidente da Eletros acredita na ZFM e avalia que o no modelo passará pela crise e será capaz de ajudar o Brasil a se reerguer dela. “Essa é uma grande oportunidade da ZFM mostrar para o país a sua importância com a produção de produtos de alta tecnologia, fabricados no Brasil e atendendo o mercado consumidor brasileiro. Passada a crise, acredito que o Brasil terá que olhar muito mais para suas indústrias. O governo deve entender que precisamos valorizar os negócios realizados no Brasil para fortalecer a indústria nacional, que vai gerar empregos e divisas aqui para dentro”, sustenta.

 

Para Jorge, a recessão econômica é um risco que poderá afetar não só a ZFM, mas a economia brasileira como um todo. Segundo ele, as medidas a serem tomadas pelo governo federal devem buscar evitar esse problema ao máximo.

“Tecnicamente, a recessão econômica é caracterizada por dois trimestres consecutivos de diminuição do Produto Interno Bruto (PIB) de um país. O PIB é uma medição do quanto a economia cresceu em determinado período de tempo (normalmente, referente a três meses ou um ano). Ou seja, a recessão diz respeito a uma efetiva contração da economia. Isso pode ser medido por diminuição dos níveis de consumo, de produtividade das empresas e de emprego, entre outras coisas”, explica Jorge.

 

Medidas para conter queda do PIB

O presidente Corecon-AM, Francisco Assis Mourão Junior, diz que as estimativas de recessão vão de 1% até 5%. Quem fala em 10% de queda no PIB é muito pessimista. Contudo, esse resultado vai depender das medidas que o governo vem tomando, como o auxílio emergencial aos informais, o crédito às empresas para a manutenção dos empregos, com recursos voltados para o capital de giro, para se manter nesse momento em que o faturamento vai estar em queda e medida em que o governo assume parte da folha de pagamento das empresas.

 

“A queda ela vai acontecer. Nós estamos ainda em abril e o governo, numa política de intervenção vai começar a injetar dinheiro. Vai liberar FGTS, já liberou dinheiro para os informais e já fez medida provisória para segurar folha de pagamento. A única coisa que ainda não está certo ainda é a questão de apoio às indústrias com capital de giro. As empresas ainda estão encontrando muitas restrições burocráticas e de juros altos ainda, sem uma clara definição da equipe econômica quanto a essa situação”, avalia Assis Mourão.

 

EM PARTE PARALISADA, INDÚSTRIA JÁ MANDOU 50 MIL PARA CASA

Com a chegada do coronavírus (Covid-19) ao Amazonas, diversos setores da sociedade já sentiram o impacto na saúde e na economia do Estado. O comércio está paralisado por meio do decreto estadual do governador Wilson Lima e mais de 50 mil trabalhadores já foram afetados na Zona Franca de Manaus (ZFM), segundo informações do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam). Para representantes da indústria, economistas e presidentes de sindicatos, é preciso se pensar em estratégias para o Polo Industrial de Manaus (PIM) se reerguer.

 

O presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), Wilson Périco, diz que a atividade do comércio continua paralisada e o decreto estadual deve ser prorrogado pelo governador do Estado, Wilson Lima, por pelo menos mais 15 dias. “Essa prorrogação terá ainda mais reflexos no consumo interno de Manaus e o mesmo está ocorrendo em outras cidades do país, onde os governantes não estão permitindo nem a entrada de caminhões com produtos que não sejam considerados essenciais”, explica.

 

O presidente esclarece ainda que 22 empresas do PIM deram férias coletivas aos seus funcionários ou entraram em paralisação parcial. Segundo Périco, algumas empresas componentistas também tiveram retração em suas atividades por conta da paralisação no ganho final. Na estimativa do Cieam, mais de 50 mil trabalhadores estão sendo afetados.

“Nós não estamos discutindo o que é prioridade, se é a saúde ou se é a economia. Estamos discutindo formas de ajudar a sociedade, atendendo a necessidade da saúde, pensando nos equipamentos e na infraestrutura para prestar o devido atendimento às pessoas que precisarem, assim como também a atividade econômica, para garantir o emprego – que também faz parte do bem-estar social e da saúde das pessoas”, avalia Périco.

 

Nós não estamos discutindo o que é prioridade, se é a saúde ou se é a economia. Estamos discutindo formas de ajudar a sociedade, atendendo a necessidade da saúde, assim como também a atividade econômica

Wilson Périco, presidente do Cieam, sobre o momento que vivem os empresários da indústria

 

O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), Nelson Azevedo, observa que a maioria das empresas metalúrgicas, de duas rodas, eletroeletrônicas e de informática estão paralisadas e que, as que ainda estão produzindo, realizaram adaptações em seus processos produtivos para seguir as orientações sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde.

 

“Com a parada da China, inicialmente as empresas tiveram uma redução bastante acentuada nos estoques. Contudo, o principal motivo da paralisação da produção se deu em função de se evitar a transmissão do coronavírus entre os funcionários e, consequentemente, entre as famílias desses trabalhadores”, afirma o vice-presidente da Fieam.

Azevedo aponta que, atualmente, a ZFM é a maior geradora de tributos ao Estado e uma importante geradora de tributos federais. De acordo com ele, se a paralisação perdurar por muito tempo, o ente mais prejudicado será o governo do Amazonas.

 

“O problema da pandemia é pontual. Ela afetará a produção e a geração de receitas ao governo estadual e federal, por um período não muito longo. Depois que a pandemia passar e as restrições de mobilidade forem retiradas as famílias voltarão às compras e a roda da economia voltará a girar”, avalia Azevedo.

 

O vice-presidente do Fieam também diz que, para evitar maiores problemas, o governo federal tomou importantes medidas, como a flexibilização das relações trabalhistas, adiamento do recolhimento de contribuições, amparo aos trabalhadores informais e a oferta de crédito para as empresas.

 

Sem plano

Apesar de certo otimismo por parte dos empresários, o presidente do Conselho de Economia do Amazonas (Corecon-AM), o problema todo em relação a economia e ao futuro da ZFM está na falta de um plano para enfrentar a crise criada pelo novo coronavírus. “A equipe econômica do governo não fez um plano, como o plano. Ela está tentando apagar fogo a conta gotas. Para mim, o governo tinha que elaborar um plano, como foi o Plano Marshall, feito no pós Segunda Guerra Mundial, na Europa, já definindo todos os setores para, além de reforçar todo um segmento, garantir a estabilidade econômica”, explica.

 

Assis Mourão, lambra que os Estados Unidos da América (EUA) está investindo 10% do seu Produto Interno Bruto (PIB) na economia. Já o Brasil não chegou nesse nível, não chegamos nem a 5%. “Mas, num pensamento positivo eu tenho que acreditar que esse governo vai chegar ao ponto de entender que vai precisar rever as suas medidas”, diz

 

O economista aponta que, no momento em que as medidas do Banco Central (BC) não estão surtindo efeito, apesar da medida provisória que deu a independência a instituição financeira, vai chegar ao momento que o BC vai ter que ser o avaliador das empresas, porque elas não terão garantia nem para conseguir os empréstimos.

Para Mourão, a medida que a equipe econômica do governo, que é neoliberal, começar a perceber que vai ter que abrir a torneira para suprir as necessidades do país, ela vai agir. “Acredito que ela não vai deixar isso acontecer, porque se entrarmos numa recessão severa, a pressão será muito alta”, observa

 

O economista diz que, se especula que o pico da pandemia no Brasil vá até o final do mês e há uma probabilidade que a partir de maio os casos de contaminação comecem a cair. Nesse sentido, a medida que começar a cair o número de casos do coronavírus, o governo pode até pensar numa questão de uma quarentena vertical. “Não é o caso de se fazer agora como quer o presidente Bolsonaro. Até porque, primeiro se estabiliza, depois se toma uma medida dessas”, avalia Assis Mourão.

 

 ‘ALGUNS FUNCIONÁRIOS AINDA TRABALHAM’, DENUNCIAM SINDICALISTAS

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas (Sindmetal), Valdemir Santana, afirma que, quando o novo coronavírus surgiu na China, várias empresas logo entraram em contato com o sindicato para informar que talvez não chegassem mais insumos para a produção e que as férias teriam que ser adiantadas para março e abril. “Cerca de 80% dos produtos dessas empresas vêm da China, então eles já estavam preocupados com a questão do abastecimento, mas não sabiam que esse problema ia se tornar uma pandemia”, observa o sindicalista.

 

Segundo Santana, a maioria das empresas está se aproveitando da paralisação para reduzir salários dos trabalhadores e mandá-los para casa, ou seja, demitir. “Vejo isso como um oportunismo total. Hoje, já temos mais de 50 mil pessoas em casa, com férias ou licença remunerada. Acredito que essa semana, 70% dos trabalhadores do Distrito Industrial devem entrar de férias ou terão suspensão de contratos e redução de salários. Os empresários, ano passado, faturaram cerca de US$ 90 bilhões e agora estão colocando a conta em cima dos trabalhadores”, endossa.

 

Além disso, o presidente do Sindmetal denuncia a falta de políticas capazes de manter a renda dos trabalhadores do Estado. “O governador paralisa o comércio, mas não paralisa as indústrias. Sendo que é do Distrito que estão saindo grande parte das vítimas do coronavírus. Se esses funcionários não forem liberados, os casos continuarão crescendo”, reitera.

 

De acordo com Santana, a redução das linhas de ônibus também afetará negativamente a classe, uma vez que muitos ainda precisam do transporte para chegar ao Distrito Industrial e agora estão sendo obrigados a andar em transportes públicos lotados.

 

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Plástico (Sindplast), Francisco Brito, informa que o sindicato conta com cerca de 84 empresas em sua categoria e que, dessa quantidade, 30% buscou dar férias coletivas aos trabalhadores e outra parte segue com o funcionamento.

 

“Eles continuam levando esses funcionários para as empresas e os deixando aglomerados. As empresas fornecem máscaras, álcool em gel, mas do que adianta? Muitas empresas continuam funcionando e se aproveitando da crise para explorar mais ainda esses trabalhadores. Nós, dos sindicatos do Amazonas, sabemos que muitos infectados estão dentro dessas grandes empresas da região”, denuncia Brito.

 

 

Fonte: https://d.emtempo.com.br/economia/198315/zfm-vai-sofrer-mas-podera-se-tornar-mais-forte-no-pos-crise