LAURO MARINS

Lauro Marins – Head of ESG Consulting and Climate Change na Resultante ESG

A Eletros sempre busca subsidiar suas associadas com conhecimento para tomadas de decisões com mais assertividade e consistência, visando também a qualidade da produção, do consumo e da sociedade como um todo.

O interesse do setor eletroeletrônico nas evoluções da agenda climática é essencial.

Isso mostra que as empresas entendem a necessidade de um olhar amplo sobre as suas emissões e de sua cadeia de valor.

Para esta entrevista, convidamos Lauro Marins que é especialista em sustentabilidade e mudança climática, possui mais de 18 anos de experiência profissional em vários setores. É graduado em Tecnologia em Gestão Ambiental e em Engenharia Ambiental pelo Centro Acadêmico SENAC, possui MBA em Gestão Ambiental Estratégica pela USP – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, especialização em Administração de Empresas pela FEI-Faculdade de Engenharia Industrial e especialização em Sustainable Supply Chain Management pela Universidade de Columbia em Nova York.

Aqui abordamos as ferramentas e projetos de inventário de gases, sua importância para a indústria de eletroeletrônicos e a regulamentação do Mercado de Carbono e seu impacto sobre nosso setor.

Também falamos sobre a agenda do ESG que vem crescendo no mundo e não coincidentemente também é pauta das grandes indústrias brasileiras.

Conectados: Como o avanço do tema das mudanças climáticas e do movimento de redução de emissão de gases impacta a indústria natural hoje?

Lauro: Primeiro, que esse tema ocupa uma agenda extremamente necessária. A humanidade precisa reduzir a emissão de gases (causadores) do efeito estufa para que não tenhamos os efeitos mais severos de mudanças climáticas que estão sendo previstas nos múltiplos cenários traçados. É importante entendermos também que, independentemente se for na produção ou no uso, é importante monitorar a emissão de gases de efeito estufa oriunda do uso da energia, extração e transformação de recursos naturais, e disposição dos resíduos.

Em relação à indústria nacional, é um pouco difícil conseguirmos conscientizar dessa importância. Primeiro, porque ainda não há nenhuma legislação sobre o tema que obrigue a redução das emissões no mercado nacional, enquanto no mercado internacional isso já existe.

Volto a insistir: é uma agenda extremamente necessária, principalmente na hora em que o consumidor começa a pesquisar por serviços. Por isso, a indústria precisa trabalhar arduamente com este tema, até mesmo para desenvolver novos processos e contribuir para a própria evolução.

Conectados: Você fez um apontamento referente ao mercado internacional. Como os players internacionais veem essas agendas hoje e como isso impacta no Brasil, em relação a ser ou não bem-visto, evolução, leis etc.?

Lauro: O mercado internacional já está mais maduro em relação  pois  discute esse tema  desde a Conferência do Rio, em 1992, quando se iniciou o primeiro protocolo de emissão de gases de efeito estufa. Portanto, é um mercado que já entende sua responsabilidade e já atua para cumpri-la.

Deu-se um tempo para mercados em desenvolvimento também se adaptarem a essa agenda, enquanto no Brasil ainda persistia um debate entre país desenvolvido x subdesenvolvido. E finalmente, o mercado internacional vai começar a colocar barreiras tarifárias ou barreiras mercadológicas quanto a produtos e serviços com certificados de redução de carbono.

A União Europeia não aceita commodities oriundas de áreas de desmatamento, o que tem causado grandes problemas para o Brasil, que é um grande exportador. Ressalva-se que essa é uma questão que também está totalmente relacionada à agenda do clima.

Uma das condições para que o Brasil ingresse na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) diz respeito à questão de práticas ligadas à agenda de carbono. A União Europeia formulou uma agenda mais ampla de requisitos mínimos para que produtores ou serviços prestados à região obedeçam a princípios ligados à agenda de ESG. A tarifação de produtos com excedente de carbono também é uma questão sensível dentro deste processo.

Conectados: Hoje, em que patamar o Brasil está em relação a esses países que tratam o tema desde 1992 e quais seriam as adequações primordiais que a indústria brasileira e o país como um todo devem realizar para chegar aonde devemos?

Lauro: O Brasil deve dar passos significativos especificamente no que se refere à mudança de clima. Entre as ações primordiais, eu destacaria o imediato fim do desmatamento, a regulamentação do uso de solo, maior controle em relação às atividades envolvendo o meio ambiente e monitorar o que vai acontecer, principalmente na região Norte.

Para o setor industrial, existem algumas questões. Entre elas, entender que existe uma responsabilidade dentro desse tema e começar a atuar efetivamente, inventariar os gases de efeito estufa que são emitidos, começar a procurar melhores práticas no processo de como reduzir essa emissão, dentro de um cenário em que o Brasil precisa regulamentar o mercado de carbono.

Há vários passos para se chegar à regulamentação, que não significam simplesmente a promulgação de um decreto. Antes de tudo, é necessário criar um mecanismo de monitoramento e verificação, outro mecanismo de obrigatoriedade para as indústrias reportarem suas emissões, um processo de verificação por uma terceira parte, adotar ainda outro método de verificação e registro desses créditos, analisar quais projetos podem ser passíveis, estabelecer limites de redução, entre outros.

A indústria pode se antecipar a essas tendências, fazer o seu inventário, estabelecer metas de acordo com a ciência. Já pode-se contar com um parâmetro global, que é o Science Based Targets Initiative. Várias indústrias do setor de eletroeletrônicos já têm metas aprovadas nesse sistema.

Conectados: Falando um pouco sobre você: você trabalhou no CDP (Carbon Disclosure Project), e teve acesso a diversos dados de outros países e outros tipos de mercado. Em relação a projetos de governo e incentivos públicos, também não se fala sobre isso no Brasil?

Lauro:  Eu diria que este tema está bem atrasado. O Brasil assinou junto ao Banco Mundial um projeto chamado Partnership for Market Readiness (PMR), em que consiste em um sistema de empréstimos do Banco Mundial para financiar estudos de precificação de carbono, incluindo análises econômicos, para possibilitar a implementação das PMR. Países como Chile, Colômbia e Argentina já receberam este financiamento.

O processo brasileiro está pronto desde o ano passado, foi entregue ao Ministério da Economia, que ainda não se manifestou. Por isso, o atraso, inclusive na comparação com nossos vizinhos. A Argentina e a Colômbia cobram um imposto sobre o carbono em cima do combustível fóssil utilizado.

O Chile tem um sistema que precifica carbono para a indústria da energia, que é o grande problema do país atualmente, e já está instituindo um processo de mercado de carbono. A Colômbia trabalha com projeto de mercado voluntário para compensação, com  a condição que seja dentro da própria Colômbia.

Conectados: Passando um pouco para ESG (Environmental, social and corporate governance): os investimentos de ESG são acessíveis para todas as empresas? É mais simples do que se imagina?

Lauro: Uma empresa não se torna ESG, ela não vira uma chave ou algo do gênero. A sigla expressa mais uma preocupação sobre os aspectos da gestão de questões ambientais, sociais e de governança como um todo.

Como exemplo, uma empresa que segue os princípios da ESG estão atentas à gestão correta dos recursos naturais, está comprometida com a agenda ambiental, gerencia seus processos de licenciamento, controla seu resíduo, dá descarte correto aos seus resíduos, trabalha com logística reversa (dependendo do setor específico), consegue ter todas as variáveis para administrar todos os controles,  entre outros.

Um exemplo no caso da agenda social: se as empresas mantêm um processo de pagamento só após 120 dias do recebimento de um produto ou serviço de fornecedor, não é um trade justo do processo. As companhias, para seguirem o ESG e trabalhar bem essa agenda social, devem ter tudo mapeado: canais de contato, canais de relacionamento na gestão dessas questões, entre outras providências.

A agenda de governança, considero que já é mais latente entre nós. Depois da experiência que passamos com a Operação Lava Jato, as empresas estão um pouco mais conscientes em relação as questões envolvendo compliance, contratos e transparência.

Ainda, ter todos os processos e procedimentos da organização protocolados (inclusive tem procedimentos e políticas corporativas para isso); ter processos bem definidos de verificação, de cotações. Todas essas medidas fortalecem a governança corporativa das empresas.

Conectados:  Falando em aspectos internacionais, nessa mesma esteira das mudanças referentes à emissão de carbono, o que nós já vemos nos mercados internacionais que ainda não vemos dentro do Brasil? Em que pontos estão mais adiantados que a gente e o que podemos esperar pensando numa provisão de futuro?

Lauro: Pensando no setor de eletroeletrônicos, existe uma agenda que internacionalmente é muito forte e que na verdade já existe no Brasil, mas falta a prática, que é a logística reversa.  Lá fora, se você tem um ar-condicionado, você pode levar esse ar-condicionado até o fabricante e trocar e o fabricante é obrigado a aceitar esse material de volta e dar a devida destinação. Aqui no Brasil, essa questão ainda é incipiente.

Fatalmente, a logística reversa irá chegar ao Brasil. É uma tendência, pela qual o mercado precisa se adaptar, receber esse tipo de material de volta e dar o devido descarte a ele. Já existem algumas iniciativas bem avançadas no Brasil, mas ainda não funciona  em uma grande escala.

Conectados:  Em um  panorama mais geral, como as políticas de sustentabilidade fazem parte do movimento da jornada do consumidor? Quais os ganhos percebidos no relacionamento com o cliente?

Lauro: O consumidor médio ainda é muito movido pela questão de preço e o que a gente percebe é que essa nova geração, mais consciente, mais antenada, com muito mais informação, começa a buscar outros atributos. O próprio processo de certificação do Procel é um exemplo disto, pois este consumidor já procura hoje cada vez mais empresas com esse tipo de certificação.

Então, cada vez mais eu entendo que as pessoas irão passar a buscar esse tipo de informação no produto, como quais os atributos ambientais, sociais, quais os benefícios que ele traz seja na compra, na produção, no descarte e em todo o ciclo de vida. Os consumidores olham muito para a questão de assistência técnica, que é uma questão óbvia no processo, mas irão procurar saber olhar cada vez mais sobre outras informações.

Conectados:  Do ponto de vista da indústria, falando em cadeia produtiva, melhor utilização de insumos, podemos dizer que, economicamente falando, também é vantajoso?

Lauro: A grande questão é que reaproveitar um recurso que já existe custa de 10 a 15 vezes menos do que extrair uma nova matéria prima. Trabalhar nesse processo é uma forma de redução de custo operacional, de reaproveitamento, e de manutenção do meio ambiente, mas, no final da história, também é custo. Mesmo assim, reduzir a quantidade de resíduos produzidos, seja na produção, seja no descarte, traz um benefício financeiro para a organização como um todo. Nessa parte financeira, muito do pensar em gestão de recurso é pensar em gestão de capital também, a melhora disso tudo só tem ajudado às empresas.