Reajustes das usinas de aço afligem clientes industriais

11/03 – Fonte: Valor Econômico

 

Setor da construção imobiliária foi informado por duas grandes siderúrgicas de alta entre 30% e 37% a partir do início de abril

 

Por Ivo Ribeiro, Chiara Quintão, Marli Olmos e Ana Paula Machado — De São Paulo

 

A indústria de transformação e a construção civil, grandes consumidores de aço, vêm sofrendo seguidos reajustes de preços desse insumo desde meados do segundo semestre de 2020, com impacto sobre seus custos. E não se prevê que essas altas venham a ser estancadas tão cedo, o que deverá ter reflexos nos índices de inflação do país nos próximos meses (ver Eletrodomésticos têm nova onda de aumentos). Enquanto podem, as empresas estão repassando os custos aos consumidores finais de carros, geladeiras, máquinas de lavar, imóveis, de bens duráveis e de bens de capital.

 

A justificativa para os reajustes é a alta expressiva das matérias-primas – minério de ferro (mais de 80% no ano passado), carvão, sucata de aço, valorização do aço no mercado global, além do câmbio. Outro componente desse cenário é o desajuste na cadeia de fornecimento. Ainda há falta de alguns tipos de aço, outros com mais demora para entrega e até sistema de cotas por clientes. A previsão é que essa situação leve entre dois e quatro meses para se normalizar – os estoques nos consumidores estão baixos. E a demanda se mantém em alta.

 

Os aumentos mensais nos últimos meses ficaram de 10% a 15%, tanto para aços longos (construção) quanto para os planos (carros, linha branca, autopeças e equipamentos em geral). Mantido o atual cenário de preços das matérias-primas do aço e o dólar entre R$ 5,60 e R$ 5,80, as siderúrgicas deverão adotar novas altas. A data limite para decidir é 25 de março.

 

|ArcelorMittal e Gerdau atribuem alta à escalada internacional de preços das matérias-primas, como o minério de ferro

 

Quem já está diante dessa perspectiva é o setor da construção, principal comprador de aço no país. Algumas incorporadoras foram informadas de aumentos de 30% a 35% a partir de 1º de abril. Segundo o vice-presidente de relações institucionais da Tecnisa, Fabio Villas Bôas, ArcelorMittal e Gerdau comunicaram reajustes de 35% a 37%. Outra empresa diz ter sido avisada por ArcelorMittal de que haverá reajuste, mas ainda sem um percentual definido.

 

Na construção, as negociações costumam ser caso a caso. Segundo fonte de outra incorporadora, a Gerdau reajustou, em fevereiro, o insumo em 35% para os meses de março e abril. E já há pleito adicional para maio entre 10% e 20%.

 

Em 2020, informou a fonte, a empresa conseguiu que o reajuste médio do insumo se limitasse a 4%. “Como nossas obras são curtas e temos ótima previsibilidade de demanda, negociamos bem”.

 

No primeiro bimestre, o aço foi o material que apresentou maior alta, de 15,38%, de acordo com levantamento do Sindicato da Construção (Sinduscon-SP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em seguida, vieram vidro, tubo de ferro, tubo de PVC e cimento (ver infográfico acima). Na semana passada, argamassa, cimento e concreto subiram entre 10% e 15%, entre outros materiais, de acordo com a fonte.

 

“Tudo aquilo ligado a commodities internacionais tem sido afetado pela alta do dólar. Do ponto de vista sistêmico, os novos imóveis podem ter de sair com correção de preços”, diz o presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antonio França. “Isso reduz o benefício dos juros baixos”.

 

Os fabricantes de veículos aguardam a reunião que as siderúrgicas terão com os setores que usam aço para tentar identificar futuras pressões de custos. Segundo a Anfavea, entidade do setor automotivo, de janeiro de 2020 a janeiro de 2021, os reajustes nos preços no aço plano laminado a quente foram de 61%, citando a Infomet.

 

O setor aponta elevações de preços de outros insumos, como resinas e elastômeros, que subiram 68% no mesmo período, segundo a Anfavea com base em dados do IBGE. A entidade queixa-se, também, dos reajustes no frete marítimo, de 339% em 12 meses, para as importações da Ásia.

 

O que mais preocupa os fabricantes de veículos hoje é a alta do dólar. Segundo a Anfavea, entre 30% e 40% do preço de um carro é formado por custos na moeda dos EUA. Isso abrange desde peças importadas propriamente ditas, como semicondutores – item cuja falta tem provocado paralisações nas montadoras – até itens estrangeiros adquiridos por fornecedores e insumos com preços ajustados.

 

Em muitos casos, as empresas têm repassado, quase que automaticamente, ao preço final dos carros, os aumentos de custos. Segundo disse nesta semana o presidente da General Motors na América do Sul, Carlos Zarlenga, em 2020, a média de reajustes nos preços dos veículos no Brasil ficou entre 15% e 20%. E algumas empresas, como a Renault, já elevaram as tabelas em 4%, em média, até fevereiro.

 

Segundo executivos, as filiais brasileiras sofrem forte pressão das matrizes para evitar prejuízos. Por isso, repassam os custos. O presidente da Volkswagen na América Latina, Pablo Di Si, disse ontem que a mais recente orientação da matriz é para que a operação latino-americana se organize para fechar o balanço de 2021 no equilíbrio.

 

A CBIC, do setor da construção, tenta uma reunião com as usinas de aço para ver quando se dará a normalização do atraso no fornecimento. Na semana passada, houve encontro na Abimaq – de máquinas e equipamentos – com representes do Instituto Aço Brasil.

 

O presidente da Abimaq, José Velloso, disse ao Valor que a situação poderá levar até 120 dias para se normalizar. Ele informou que o setor está reprogramando produção e entregas, mas que, mesmo assim, a previsão é que as vendas cresçam 13,5% no ano – somente no mercado interno, 15,8%. “O setor continua muito ativo, puxado por obras infraestrutura, indústria alimentícia e agronegócio”.

 

Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Aço Brasil, disse que as usinas estão produzindo mais e elevando a oferta no país. Na comparação de janeiro de 2020 com janeiro de 2021, o crescimento nas vendas de aço longo foi de 25%, de 608 mil para 770 mil toneladas. “Estamos cumprindo à risca o que acordamos em outubro, quando nos reunimos com o setor da construção civil: aumentamos a oferta no mercado interno e reduzimos a exportação. Se existe algum desabastecimento é na área de distribuição”, afirmou Mello Lopes.

 

Segundo dados do Aço Brasil, as exportações caíram gradativamente no ano passado, 14,1% no quarto trimestre ante o terceiro, voltando-se para atender o mercado doméstico. “As usinas estão colocando mais material no mercado, aumentaram a utilização da capacidade instalada – fechamos em janeiro com 70,1% e deve aumentar mais em março”, disse.

 

Segundo o executivo, preço tem pressão enorme dos custos das matérias-primas e dos insumos em geral e não é só na siderurgia. Estamos vivendo um fenômeno mundial que é o boom das commodities”, disse Mello Lopes. Amanhã, informou, usinas vão se reunir com o automotivo e aguardam definição de data pela CBIC.

 

Em nota, a Gerdau informou que registra aumento exponencial nos custos das matérias-primas do aço, inclusive minério de ferro, sucata, ligas, dentro do cenário de alta das commodities. Assim, diz que tem discutido individualmente com seus clientes um reequilíbrio econômico de suas bases de fornecimento na cadeia do aço, com “diálogo aberto e transparente”. A ArcelorMittal Brasil disse não comentar sua política de preços, observando que a precificação segue as variações das matérias-primas, tanto local quanto internacional.

 

 

Link: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/03/11/reajustes-das-usinas-de-aco-afligem-clientes-industriais.ghtml