LARA MESQUITA

Lara Mesquita

A propaganda eleitoral para as Eleições de 2022 começa apenas em 16 de agosto, mas a pré-campanha já está bastante aquecida. Na pauta, os candidatos têm uma lista extensa de questões a serem respondidas.

Essas questões podem ser agrupadas como problemas sociais, medidas para sair da estagnação econômica, agenda ambiental, desburocratização, educação, além da retomada de uma série de reformas estruturais essenciais para o desenvolvimento do país que vem sendo debatidas há anos. 

Apesar da urgência, conhecemos de forma limitada os “planos de voo” das principais candidaturas. As diretrizes até agora divulgadas são ainda muito superficiais. Resta recorrer, então, ao perfil e análise dos modelos de gestão dos principais candidatos para sabermos, ainda que minimamente, como devem ser os primeiros passos do novo governo.

Para destrinchar este cenário bastante incerto, o Conectados convidou a cientista política Lara Mesquita, mestre em ciências políticas pela USP e doutora pela UERJ, especialista em estudos eleitorais e políticos, com foco em eleições, partidos, emendas orçamentárias, coligações eleitorais e outros. Além de pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público, o Cepesp, da FGV, criado em 2006.

Conectados: Em sua experiência de acompanhamento e estudo de campanhas eleitorais, o processo de 2022 foge dos padrões de outras campanhas políticas? O que temos de distinto este ano?

Lara Mesquita: Eu considero que 2022 se distingue menos de outros anos eleitorais que 2018.  Na nossa curta experiência democrática, que começa com a redemocratização e a primeira eleição direta para presidente em 1989, é a primeira vez que temos um presidente em exercício concorrendo com um ex-presidente. São dois candidatos muito conhecidos e que já estão com suas candidaturas planejadas e apresentadas aos eleitores há muito tempo.

Outro ponto diferente é que tanto Lula quanto Bolsonaro estão se candidatando por partidos grandes e bastante tradicionais. Lula pelo PT e Bolsonaro pelo PL, partido com mais de 30 anos de existência, que está apostando bastante na estrutura partidária e na campanha política tradicional. Tudo muito parecido com as eleições ocorridas de 1994 a 2014.

Neste ano, voltamos a ter dois principais candidatos, que concentram a grande maioria dos votos, e um terceiro colocado que, apesar de importante, não ameaça os dois primeiros. É muito raro que o terceiro candidato fique perto do segundo ou o ameace a alcançar o segundo turno.

Conectados: Vivemos um momento desafiador, seja no campo social, no cenário ambiental ou na economia. Qual seria um plano ideal de governo para começar a reverter este quadro que, em parte, é também reflexo de fatores externos como a pandemia e a Guerra da Ucrânia. É possível conseguirmos alguma reação no curto prazo?

Lara: A campanha do presidente Bolsonaro está passando por uma disputa interna entre um grupo que quer se aproximar das práticas políticas tradicionais e está preocupado em tentar formular algum programa de governo e elencar prioridades para a economia, meio ambiente, e outras áreas importantes do país.

O outro grupo defende que se deve continuar na agenda moral e batendo na pauta de valores. Basta criticar o comunismo e todos os adversários, que não passam de comunistas, para se conseguir bons resultados.

Não me parece que o discurso de equilíbrio de contas fiscais e aprovação de reformas, utilizado pelo Bolsonaro na campanha de 2018 vai colar na campanha de 2022. Passamos por um período no qual vimos que esse compromisso não foi considerado pelo presidente que, ao contrário do que afirmou àquela época, interferiu constantemente na pauta econômica.

Para a chapa Lula-Alckmin, entretanto, o grande desafio é convencer que o governo não vai repetir o modelo de gestão econômica do governo Dilma e que vai se voltar a algo muito mais próximo ao primeiro governo Lula. Para isso, estão conversando com atores do mercado e tendo avanços em relação à pauta ambiental. Também podemos apostar que o combate à fome e a pobreza devem ser prioritários, conhecendo o retrospecto do PT.

Conectados: E qual o valor que os demais candidatos conferem aos planos de governo?

Lara: Apresentar um programa de governo é muito mais importante para essas outras candidaturas, principalmente para o grupo definido como terceira via, representado atualmente pela senadora Simone Tebet.

Para essa candidatura apontam-se dois pontos negativos e dois positivos: os negativos são que o seu nome não é conhecido nacionalmente e que ainda não é claro o seu posicionamento sobre a economia e sobre o meio ambiente, principalmente por sua reconhecida ligação com o agronegócio.

Os pontos positivos são que a candidata, em diversas declarações, defendeu e reafirmou o seu compromisso com a defesa da democracia e sua eleição não representa nenhum risco à estabilidade do regime democrático. E, pelo grupo de partidos que a apoia, pode-se inferir uma grande propensão ao apoio das reformas estruturais.

Conectados: Além dos cargos de presidente e governadores, teremos eleições para deputados federais, estaduais e senadores. Qual o cenário para o resultado desses quadros? É possível haver uma renovação?

Lara: Existe uma grande expectativa de uma mudança no Congresso motivada pelas alterações promovidas pelas reformas eleitorais de 2017, com alterações ocorridas em 2019 e 2021.

As principais mudanças estão relacionadas ao fim das coligações e o estabelecimento da cláusula de desempenho, que foram mantidas. A combinação dessas duas regras tende a diminuir a fragmentação legislativa.

A cláusula de desempenho significa que os partidos precisam atingir um desempenho mínimo para eleição de deputados federais que possam acessar recursos públicos, como o fundo partidário.

Caso não atinjam essa meta, os partidos perdem o direito ao acesso ao fundo e, consequentemente, o tempo disponível para campanhas de TV. Com o fim das coligações, aumenta o esforço dos partidos, que têm de alcançar essas metas por conta própria.

Um efeito positivo dessas regras é que a redução da fragmentação partidária facilita a formação de coalizações no Parlamento para que o Executivo aprove seus projetos mais rapidamente. Essa reorganização dos partidos irá favorecer a governabilidade.

Conectados: Relacionada à pergunta anterior e supondo que não haja mudanças significativas no perfil do parlamento, o que você prevê em relação ao comportamento dos deputados, especialmente dos classificados como centrão, dependendo de quem ganhar a eleição?

Lara: O centrão continuará tendo uma bancada bastante expressiva. Quando a gente pensa em centrão, pensamos nos partidos de apoio ao Bolsonaro, como o PP e PRB, porém pode-se incluir o União Brasil, o PSD e o próprio MDB. Espera-se que a soma de todos eles continuem sendo o grupo majoritário.

Já se vê sinalizações por toda a parte que esses partidos irão conversar com quem quer que seja que ganhe a eleição. Porém, a conversa vai ser diferente se Bolsonaro for eleito.

O atual presidente demonstra claramente preferir atuar mais na parte cerimonial e simbólica do que na gestão propriamente dita. Discutir reformas, alocar investimentos e outras providências não é a prioridade dele. Ele não fez isso nos primeiros anos de governo e, depois de 2021, ele traz o centrão para o governo e abre mão do orçamento. Por isso, o controle do congresso cresceu consideravelmente em relação ao orçamento público.

Numa eventual reeleição de Bolsonaro, espera-se que essa preocupação com o cerimonial continue, assim como a delegação de decisões importantes sobre o governo e máquina pública continuem sendo transferidas para esses grupos legislativos.

Caso a chapa Lula/Alckmin ganhe a eleição, deverá haver um aumento do conflito com o centrão porque o governo vai querer retomar o controle sobre a agenda e diminuir as prerrogativas do congresso sobre o orçamento. Isso não deve acontecer no primeiro ano, mas aos poucos, em um processo difícil e custoso com uma grande negociação.

Conectados: Há anos o Brasil tenta avançar em reformas fundamentais para a desburocratização da economia, como a reforma tributária, por exemplo, que também gera custos injustificados, pela sua complexidade. Continuaremos a ter dificuldades para aprovar uma reforma que seja efetivamente eficaz, ou o Brasil continuará adotando medidas paliativas?

Lara: Em relação à reforma da desburocratização, em um eventual segundo governo Bolsonaro, ele não deve empenhar seu capital político, do mesmo jeito que ele não o fez na reforma da previdência, exceto para garantir privilégios de grupos.

E em toda a agenda de reformas, a posição do Executivo deverá ser a mesma. Vai ser muito importante o comprometimento das elites no Congresso para destravar essas reformas.

Já a chapa Lula/Alckmin expressa uma preocupação mais forte com as reformas e deverá ter maior protagonismo. Ainda não há uma definição clara, mas a leitura que se faz é que, com Alckmin, o governo deve se afastar da agenda do governo Dilma.

Conectados: Estamos convivendo com o retorno da inflação, que por anos ficou sob controle, conjugado com aumento do desemprego e da renda dos trabalhadores. Quais alternativas o executivo pode ter para combater esses três fenômenos?

Lara: A situação econômica do país está complicada. A inflação é um problema que não é pequeno, mas também não está limitado ao Brasil. Os Estados Unidos vêm apresentando altas expressivas em seus índices de preços, assim como outros países. No nosso caso, a inflação pode ser uma combinação de fatores internos e externos. A expectativa de alguns economistas é a de que a economia pode melhorar em 2023, apesar de ainda ser um ano muito difícil.

Conectados: Como você faz um balanço da inserção brasileira na comunidade internacional, principalmente em relação à pauta ambiental, e quais os impactos para a atividade econômica e o desenvolvimento do PIB?

Lara: A questão ambiental tem cada vez mais impacto nas questões econômicas e é um fator atrativo de investimentos.

Uma possível reeleição do presidente Bolsonaro pode acentuar a desconfiança no país, talvez menos pelo aspecto da condução da política econômica e mais pela falta de segurança em relação à agenda ambiental.

Uma eventual eleição de Lula pode oferecer à comunidade internacional um sinal mais positivo. E é sempre bom lembrar que a ex-ministra Marina Silva, que acabou de anunciar sua candidatura à deputada federal, está se reaproximando do PT e se tem algo que ela pode pleitear para essa reaproximação é uma interferência na agenda ambiental.