15/06 – Fonte: Estadão online
Novo estilo de vida, alta de commodities e juro baixo favorecem setores que mais usam o produto como insumo
José Fucs, O Estado de S. Paulo
O aumento expressivo das vendas de aço no País, em meio à pandemia e à escalada de preços, parece desafiar o princípio da racionalidade econômica, segundo o qual os indivíduos agem de forma racional ao tomar suas decisões de consumo e de poupança. Mas, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o aparente paradoxo tem a sua lógica.
O fenômeno reflete o crescimento da demanda por imóveis, máquinas e equipamentos agrícolas e industriais, produtos eletroeletrônicos e veículos, especialmente caminhões, que usam aço em larga escala, desde o início da retomada econômica, em meados do ano passado, logo após o período mais agudo de isolamento social e de retração nas vendas.
Parte da explicação para a performance invejável desses setores se deve à própria pandemia, que provocou um deslocamento das “placas tectônicas” da economia. Subitamente, atividades que vinham “andando de lado” há anos ganharam tração, enquanto outros setores desaceleraram ou engataram a marcha à ré. Neste cenário, grandes consumidores de aço acabaram favorecidos pelas transformações provocadas pela pandemia na vida da população e das empresas, se é que se pode falar nisso com quase meio milhão de mortes e 17,3 milhões de pessoas infectadas pelo vírus letal até agora no País.
“Por causa da pandemia, houve uma mudança de estilo de vida e de consumo”, afirma José Velloso Dias Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e equipamentos (Abimaq). “É impressionante o impacto que a pandemia teve na vida das pessoas e no modo de consumir”, diz José Jorge do Nascimento Júnior, presidente executivo da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros).
Apesar de muita gente ter perdido o emprego, da queda da renda média da população e do fechamento de milhares de empresas durante a pandemia, quem conseguiu, de uma forma ou de outra, manter os seus ganhos alavancou a nova onda de consumo, dentro dos novos parâmetros trazidos pela covid-19.
De um lado, a classe média deixou de viajar ou passou a fazer viagens mais curtas para locais mais próximos. Também parou de ir ou reduziu de forma considerável as suas idas a bares e restaurantes e zerou os gastos com grandes eventos esportivos e culturais, atingidos pelas restrições impostas às aglomerações.
Ao mesmo tempo, o auxílio emergencial, que injetou cerca de R$ 300 bilhões na economia, beneficiou 66 milhões de pessoas, principalmente na faixa de renda mais baixa. Sobrou dinheiro, assim, para gastar em bens que se tornaram mais relevantes na nova realidade. De certa forma, o volume de recursos disponível, de acordo com Nascimento Júnior compensou a perda dos consumidores que tiveram queda de renda no período.
Além disso, com a queda significativa dos juros, que chegaram ao patamar mais baixo de todos os tempos e ainda continuam bem abaixo da média histórica, apesar da alta recente, muita gente que tinha dinheiro aplicado no mercado financeiro preferiu ir às compras, investindo em seu próprio bem-estar e no de sua família. O crédito mais barato também ajudou.
Por fim, com o novo boom das commodities, o mesmo que levou o preço do aço às nuvens no País e no exterior, e com a alta do dólar, que continua acima do nível de 2019, apesar da queda registrada nos últimos tempos, o agronegócio, que já vinha bem, reforçou ainda mais a musculatura, estimulando o investimento no campo.
Consumo em alta
Neste novo cenário trazido pela pandemia, as vendas de aparelhos de TV, ar condicionados, produtos da linha branca, ferros, liquidificadores e até “chapinhas” para alisar o cabelo explodiram, aumentando a procura das indústrias pelo aço, presente em metade dos produtos eletroeletrônicos fabricados no País. De acordo com dados da Eletros, o setor opera hoje com quase 100% da capacidade instalada. Apenas no primeiro trimestre deste ano, as vendas registraram crescimento de 10% a 20% em relação ao resultado de 2020, conforme o produto, exceto no caso das TVs, que amargam perda de 3% no período.
Na área de construção civil, que tem nos vergalhões um de seus principais insumos, está acontecendo um fenômeno semelhante. Segundo José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o volume de financiamentos imobiliários em 2020 atingiu R$ 110 bilhões, chegando quase no pico de 2013, de R$ 120 bilhões. “O pessoal decidiu investir na qualidade de vida”, afirma. “Todo mês estamos batendo recorde de vendas.”
No setor de veículos, que é também um dos principais consumidores de aço, as vendas de automóveis subiram 7,7% no primeiro quadrimestre em relação ao mesmo período de 2020, mas ainda estão abaixo do volume alcançado de janeiro a abril de 2019. Mas, no caso dos caminhões, o mercado parece que está voltando aos seus dias de glória. Pelos números da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), foram comercializados 34.121 caminhões no primeiro quadrimestre de 2021, um aumento de 48,1% em relação ao mesmo período do ano passado e o maior volume desde 2014.
Agora, entre todos os grandes compradores de aço, talvez a performance mais surpreendente seja a do setor de máquinas e equipamentos agrícolas e industriais, que teve um crescimento de 28% no primeiro trimestre do ano em relação ao último trimestre de 2020, segundo dados do IBGE. Isso alavancou o resultado da indústria de transformação e a taxa de investimento no País, que cresceu 17% nos primeiros três meses do ano, o melhor resultado desde 2010, para 19,4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Embora alguns analistas atribuam tal desempenho ao baixo custo do crédito, Cardoso, da Abimaq, diz que ele se deu principalmente por parte das empresas que tinham caixa aplicado no mercado financeiro e com a queda dos juros decidiram investir na modernização do processo de produção.
Uma pesquisa realizada pela Abimaq apontou que, 76% das compras de máquinas no País estão sendo feitas com capital próprio. De acordo com Cardoso, os juros para a compra de máquinas, de 9% a 12% ao ano, ainda são considerados altos e as empresas ainda não conseguem ter esse retorno com os ganhos de eficiência e produtividade obtidos com a compra de novas máquinas.