LIDERANÇA FEMININA

Marielva Andrade Dias

“A diversidade realmente agrega, entrega valor e resultado”. Essa frase sintetiza a excelente experiência da Positivo Tecnologia que já investia na contratação de mulheres para os seus quadros de colaboradores, quando o tema ainda não era debatido no mundo corporativo.”

A frase foi dita pela vice-presidente de Negócios para Instituições Públicas da Positivo Tecnologia, Marielva Andrade Dias. Pode-se dizer que sua carreira se confunde com a própria história da Positivo, fundada em 1989, com o objetivo de produzir computadores no Brasil. Mais que ter a sua história de vida associada à evolução da empresa, não é exagero dizer que muito do DNA da Positivo se deve às contribuições desta engenheira civil, contratada em 1992 para servir de apoio à expansão.

Na entrevista concedida ao Conectados, Mari, como é conhecida, demonstra o mesmo entusiasmo e disposição de quando começou, acompanhada de um sentimento de orgulho por todas as conquistas e aprendizados.

Ainda nos anos 90, ao notar que não havia nenhuma mulher trabalhando no chão de fábrica, Mari iniciou um trabalho intenso de ampliação da diversidade de gênero entre os colaboradores, certa de que essa ação iria prosperar e causar um importante impacto social. Atualmente, 47% dos mais de 4.600 colaboradores da Positivo Tecnologia são mulheres. Confira a entrevista com a executiva:

Conectados:  Gostaríamos que você contasse um pouco sobre sua trajetória. Se você já começou no setor, se tem experiências anteriores.

Mari: Muito obrigada pelo convite. Bem, sou casada, tenho dois filhos homens e sou engenheira civil de formação, assim como meu marido. Venho de uma família de seis mulheres. Meu pai estudou só até o quarto ano primário, mas era um empreendedor nato, e ele sempre falava para a gente que ele queria que as filhas fossem independentes, que se formassem, que tivessem educação formal para não passar pelas dificuldades que ele passou.

Naquela época, tinha que se escolher entre Engenharia, Medicina ou Direito. Como sempre tive mais inclinação para os números, acabei optando por Engenharia. Passei na Universidade Federal do Paraná e tive a honra e o privilégio de estudar com o Hélio (Hélio Bruck Rotemberg, fundador e CEO da Positivo).

Sempre gostei muito de estudar e me destaquei pelas minhas notas na Universidade. Também sou uma pessoa bem visual e sempre anotei tudo. Anotava tudo nos meus cadernos e o emprestava para que os colegas estudassem, inclusive para o Hélio. Fazíamos trabalhos juntos.

Após a formatura, eu segui minha trajetória como engenharia civil e trabalhei por 10 anos na minha própria construtora, atuando em construção civil, vistoriando obra, subindo em laje, essas coisas.

Estava contente com minha atuação na construtora, quando fui convidada pelo Hélio para trabalhar na Positivo, em 1992. A Positivo mal tinha 3 anos.

Conectados: Você estudou nos anos 80?

Mari: Eu entrei em Engenharia em 1979.

 

Conectados: E como era? Você era a única mulher da sala ou tinha outras? Engenharia até hoje é um curso muito masculino.

Mari: Verdade. Estima-se que os cursos de Engenharia tenham apenas 15% de mulheres em sua composição. Naquela época, a proporção era muito menor. Éramos bem poucas mulheres. Eu tive mais colegas. Em Engenharia Mecânica havia menos mulheres. A maioria preferia ir para Arquitetura.

 

Conectados: E como surgiu o convite para ir para a Positivo? 

Mari: A mãe do Hélio o lembrou de uma colega da faculdade que sempre lhe emprestava o caderno para as provas e sugeriu que a procurasse para ajudá-lo em um momento que a Positivo precisava de alguém para trabalhar na organização da empresa. Bem, essa colega era eu.

Eu estava muito bem na construtora, mas o Hélio foi tão convincente em contar para mim o sonho dele de produzir computadores no Brasil, que saí do encontro empolgada, com 3 PCs magazine debaixo do braço. Já estudava línguas, dominava o inglês, não tínhamos o Google Tradutor e as ferramentas que temos hoje e era uma demanda necessária para poder exercer a função, porque tínhamos que falar com fornecedores internacionais.

Então, o cavalo encilhado passou e acabei agarrando essa possibilidade. Fui a 18ª. funcionária e estou na Positivo até hoje.

O Hélio fazia tudo e, à medida que as coisas foram evoluindo, ele foi passando mais responsabilidades para mim. Entrei como Gerente Administrativa, logo passei para Gerente Comercial. Sempre atenta para implantar soluções inovadoras para atender o mercado.

Um exemplo da época de como a Positivo sempre procurou diversificar, trazer soluções novas para o mercado e contribuir para a evolução digital foi a Positivo Consórcio. Quando entrei na Positivo, o computador era muito caro e, para facilitar, a gente disponibilizava o consórcio Positivo.

 

Conectados: Quando surgiu a iniciativa de contratar mais mulheres para a companhia? 

Mari: Também por essa época. Uma vez desci da minha sala no primeiro andar e fui para o chão de fábrica e me perguntei onde estão as mulheres? Não havia nenhuma, não havia nem banheiro para mulheres. E naquele momento senti a necessidade de iniciar uma campanha para contratar mais mão de obra feminina. Óbvio que o primeiro passo foi construir os banheiros. A partir deste ponto, criamos campanhas para anunciar as vagas. Primeiros chamamos as mulheres dos funcionários para trabalhar juntos e criamos uma cultura de misturar vida profissional e pessoal a partir deste ponto.

Foi em uma época na qual começamos a produzir notebooks e as mulheres têm mãos menores e mais delicadas e mais habilidade para lidar com esse processo. A Positivo Tecnologia atualmente tem muitas mulheres e, quando eu era VP de Operações, lidava com muitas mulheres líderes de chão de fábrica.

 

Conectados: Nos conte como foi sua evolução dentro da Positivo

Mari: Foram vários cargos na Positivo até a nossa abertura de capital. Fui promovida à VP de Operações e fiquei nesta posição até 2017. Nesse ano, fizemos uma reestruturação por unidades de negócios, para preparar um plano de novas avenidas de crescimento e diversificação de operações.

Então, eu assumi a VP de Negócios para Instituições Públicas, aproveitando a minha experiência nessa área. Quando entrei na Positivo, eu cuidava das relações com instituições públicas.

 

Conectados: Quando começou essa área na Positivo?

Mari: Começou desde o início das operações, inclusive antes de ingressarmos no varejo.

A Positivo começou como uma empresa nacional e não éramos ainda uma marca forte. Então, precisávamos atuar em um nicho em que a nossa atuação não dependesse de uma marca, mas sim da nossa capacidade de entrega. E começar com o governo foi a estratégia. Para participar de editais, é necessário ter documentação em ordem, idoneidade e oferecer qualidade e preço baixo. Era necessário ter uma grande capacidade de elaborar propostas de qualidade, porque qualquer detalhe era motivo para desclassificação. Fomos conseguindo os atestados, participamos de pequenos editais e crescemos muito nessa frente.

Atualmente, nós diversificamos e contamos com projetos fantásticos em todo o Brasil, como, por exemplo, o Banco Postal dos Correios. E projetos recentes muito grandes, como os tablets para a secretaria da Educação do Ceará e, em 2021, o fornecimento de 210 mil notebooks para a secretaria de Educação de São Paulo. Além da Educação, também estamos em vários órgãos do governo, como o Judiciário, por exemplo. Hoje diversificamos: além de atender a área de educação, também temos projetos com o Judiciário e outros órgãos públicos.

Conectados: De forma mais geral, muitas empresas estão investindo não apenas no discurso, mas na prática, sobre essa questão da diversidade. Dessa forma, isso acabou de certa forma virando política educacional, de preparação para os líderes do futuro e tudo mais. Você acha que o Brasil hoje está mais avançado nesse sentido? Você tem percebido mais essas discussões? Como é tratado esse tema internamente na Positivo?

Mari: A Positivo incentiva a diversidade. Em nosso quadro, hoje, 47% dos colaboradores são mulheres. Eu acho que todas as empresas buscam resultado e o fato de a mulher estar aparecendo mais em organizações significa que a atuação delas está trazendo resultados. Pesquisas mostram que as empresas que têm mulheres na alta administração, no conselho, no board e na diretoria executiva têm apresentado melhores resultados. A diversidade realmente agrega, ela entrega valor, ela entrega resultado. E ninguém é bobo. Está todo mundo percebendo isso.

Por outro lado, as mulheres estão batalhando por mais espaços, principalmente na área de tecnologia. Eu participo há mais de 15 anos de um grupo no Paraná chamado Mulheres Executivas, que se dedica a ajudar mulheres a se desenvolver e a entender que elas podem estar onde quiserem.

Nessas ocasiões, eu uso muito o meu discurso de que eu acredito na essência do ser humanos. “Vós sois deuses, cada um pode fazer o que quiser desde que a gente se empenhe e busque entregar o seu melhor”. E se esforce porque não tem almoço grátis no fim do dia. A minha participação neste grupo também leva a Positivo a incentivar a diversidade.

Conectados: Em pesquisas sobre prevalência de gênero sobre acesso à educação, as mulheres são muito mais bem formadas que os homens, têm mais curso superior, mais mestrado, mais pós-graduação. Você acha natural que essa equidade acabe acontecendo?

Mari:   Neste caso, precisamos olhar alguns dados. Alguns que tenho em mãos dizem que no mercado de tecnologia brasileiro há ainda mais disparidade de gêneros: os homens ocupam 67% dos cargos de gerência e diretoria, enquanto somente 33% das mulheres brasileiras alcançam as hierarquias mais altas.

Nos departamentos de tecnologia da informação, pesquisa e desenvolvimento e engenharia, que abrange justamente as vagas com grande potencial de crescimento e maior remuneração, os homens ocupam 80% dos postos, restando apenas 20% para as mulheres.

Em caso de gênero e raça, embora representem quase 30% da população, as mulheres pretas ainda são minoria nas empresas de tecnologia do Brasil, ocupando apenas 11% dos cargos no setor.

A presença de mulheres em geral é igualmente baixa nos cursos de tecnologia. Segundo o Censo da Educação Superior de 2019, elas ocupam menos de 15% das cadeiras universitárias em todas as áreas pesquisadas.

Ainda, segundo levantamento da Consultoria Mercer, o setor de tecnologia é o mais desigual entre homens e mulheres em relação aos rendimentos.

Há outro dado legal: apesar de ser um cenário ainda desafiador para as mulheres, a participação feminina no mercado de tecnologia cresceu 60% nos últimos 5 anos, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

 

Conectados: Somando a informação de 47% de participação feminina da Positivo Tecnolgia, pode-se deduzir que vocês têm uma contribuição sobre essa estatística. Quantos funcionários a Positivo tem hoje?

Mari: Mais de 4.600 funcionários. O número de candidatas a vagas de tecnologia aumentou mais de 20% no último ano.

Se esse ritmo continuar avançando, em 10 anos a participação de mulheres no mercado brasileiro deve crescer mais do que a masculina em muitas áreas.

 

Conectados: Você poderia falar sobre sua vida pessoal? Você tem dois filhos, é casada, começou a estudar e trabalhar cedo e foi galgando posições de liderança dentro da positivo?

Mari: Excelente pergunta. Logo depois de ingressar na Positivo, eu tive meu primeiro filho, que nasceu no final de 1993. Era uma fase em que havia muita dependência das áreas da Positivo em relação ao meu trabalho. No começo a gente põe muito mais a mão na massa. Hoje eu realmente extraio o melhor das pessoas.

Eu não desisti de amamentar meu filho e era uma correria. Fiz ginástica para gestante, escolhi o parto normal, porque sou muito ligada à saúde.

Já no segundo filho, fui conversar com o presidente e pedi a minha licença maternidade, que não usufrui no primeiro filho. Fiquei uma semana em casa e na segunda semana eu já estava na Positivo. Ou eu o levava para amamentar ou corria para casa. Era muito estressante, mas a gente deu um jeitinho e conseguiu.

 

Conectados: E naquela época não havia tecnologia para home office como existe hoje, né?

Mari: A tecnologia fazia falta naquela época… eu saia correndo. Para o segundo filho, o Hélio falou assim: “Mari, eu vou me casar, já programei férias de um mês, eu preciso de você na Positivo”. Isso foi bem na época que meu filho ia nascer aí eu disse: o que vou fazer?

Olha só que inovador: alugamos um apartamento para a minha mãe, ao lado da fábrica, e ela morou conosco por oito meses, dando uma ajuda enorme naquela época. Aí, se minha mãe chamava, a prioridade era ir amamentar meu filho.

A mulher tem a responsabilidade de preparar alguém para sair de licença maternidade sem fazer tanta falta. É importante que ela faça um planejamento.

 

Conectados: Você fala isso para as mulheres do teu time, você passa para a frente esta experiência?

Mari: Eu passo. Eu falava para elas procurarem facilitar a vida, morar perto do trabalho, para que pudessem almoçar com seus filhos e aproveitar melhor a convivência, para poder educá-los e passar valores. O modelo híbrido facilitou muito essa convivência necessária entre mães e filhos.

 

Conectados: Como você enxerga essa questão do modelo híbrido para as mulheres? Você apoia o modelo híbrido? Está conseguindo passar a cultura da empresa com um tempo presencial menor?

Mari: Vou contar um pouco da nossa experiência na Positivo. Foi dada a liberdade aos VPs em relação a quantos dias eles querem trabalhar presencialmente e como eles desejam conduzir suas equipes nesse momento de volta da pandemia.

Durante a pandemia, ficamos 100% home office, e, para essa novo modelo de gestão eu implementei com meu time uma reunião de acompanhamento de trabalho que eu mantenho até hoje todos os dias. É uma forma de eu poder estar mais próxima a eles e alinhar tudo o que está acontecendo na organização, ver onde uma pessoa precisa da outra etc. Essa dinâmica trouxe uma aproximação enorme na equipe, até mais quando estávamos 100% no presencial.

Mantemos essas reuniões porque houve um aumento de produtividade enorme com o home office, inclusive pelo uso de novas ferramentas que incentivam a forma colaborativa de compartilhar arquivos. Optamos por ir uma única vez por semana.

Temos um caso muito legal. Uma mãe tem um filho autista e ela estava com dificuldades de encontrar pessoas para deixar o filho enquanto ela vinha para o trabalho. A gente resolveu com home office e ela hoje está muito feliz, cuidando do filho e entregando como nunca.

 

Conectados: Como você foi trabalhar com essa área pública e como é a atuação de seu departamento? Qual é a participação do setor público nos negócios da Positivo? Ele ainda corresponde à maior parte dos negócios?

Mari: O setor público foi o principal cliente até o momento em que a Positivo começou a atuar no varejo. Aproveitamos um momento bem especial para a entrada no varejo, quando ocorreu a grande desvalorização do dólar na economia, apesar de ter um problema muito grande com o governo nesse período de transição.

No entanto, essa foi uma oportunidade para diversificar os mercados, porque o governo tem muita sazonalidade. Em anos de eleições, o governo está a mil, principalmente em medidas voltadas para a educação. Também houve um momento de forte demanda quando houve compras para atender o ensino à distância na pandemia.

Atuamos no varejo, continuando a atender o governo, que teve uma queda na participação nos resultados da Positivo, mas sempre mantendo a liderança. Atualmente, essa área responde por entre 25% e 30% do faturamento da empresa.

 

Conectados: É possível usar a sensibilidade feminina no trabalho com o setor público, no sentido de entender como a tecnologia vai melhorar a vida das pessoas, melhorar os processos?  Porque tudo isso afinal acaba se convertendo em benefício para o cidadão. Gostaríamos que falasse a respeito disso.

Mari: Essa expectativa é bem alinhada com o nosso propósito. O que muito me moveu nesse tempo todo na Positivo foi esse sonho de ser uma empresa nacional criando tecnologia. Sempre fui apaixonada e sempre entendi que a tecnologia pode mudar a vida das pessoas. Não sei se essa sensibilidade tem relação com a mulher. O homem também a possui e gosta de tecnologia.

A diferença, talvez, está no fato de que a mulher pensa mais no querer realizar e construir, enquanto o home está focado mais no resultado. O resultado vem depois e vem como consequência que beneficiará economicamente a população de baixa renda e algumas categorias profissionais.

 

Esse conjunto de variáveis positivas pode dar uma injeção de ânimo importante para virarmos o jogo e buscar novas perspectivas para um futuro não muito distante.  Nesse sentido, estamos confiantes que a indústria eletroeletrônica pode, mais uma vez, fazer a diferença para a economia brasileira.