19/04 – Fonte: O Estado de S. Paulo – Pág.: B3
A forte valorização do dólar, que já subiu mais de 7% este ano em relação ao real, após alta de quase 30% em 2020, é um pesadelo para boa parte da indústria. Isso ocorre por causa do aumento de custos que a moeda americana provoca, seja pela importação direta de matérias-primas e componentes ou pelo fato de os insumos usados, mesmo que produzidos localmente, serem cotados a preços do mercado internacional.
Esse equilíbrio de forças entre benefícios e prejuízos ocasionados pela alta do dólar depende, no entanto, do peso das exportações em cada negócio. Fabricantes de calçados e frigoríficos de aves e suínos, por exemplo, que vendem grande parte da produção para o mercado externo estão conseguindo se sair bem neste momento de câmbio pressionado, pois embolsam receita em dólar.
Já empresas de setores que usam insumos importados, mas são voltadas para o mercado doméstico, como fabricantes de eletroeletrônicos e medicamentos, estão sendo penalizadas pelos aumentos de custos sem ter a contrapartida do faturamento em moeda estrangeira. Neste caso, a saída é buscar alternativas para compensar as perdas de margens.
Na indústria de medicamentos, onde 90% das matérias-primas são importadas e os preços dos remédios são controlados pelo governo, há empresas que resolveram deixar de fabricar determinados itens porque não querem operar com prejuízo, conta o diretor executivo da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), Henrique Tada. Outras farmacêuticas tentam compensar a pressão de custos provocada pelo câmbio aumentando a escala de produção de um mix de medicamentos. “Sempre o reajuste autorizado pelo governo foi inferior aos custos, mas agora piorou porque o câmbio está alto”, diz o executivo. Sem componentes. No segmento de eletroeletrônicos, onde boa parte dos componentes são importados, a pressão do dólar é visível. Em 12 meses até março, os preços ao consumidor de televisores, equipamentos de som e itens de informática acumulam alta de quase 23%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No mesmo período, a inflação geral aumentou 6,1%.
A Multilaser, uma das maiores indústrias nacionais de eletroeletrônicos, que fabrica tablets, televisores, computadores, entre outros, registrou aumento de mais de 40% nos custos nos últimos meses por conta do câmbio e da escassez de componentes, como chips de memórias. “Não repassamos integralmente esses custos, no entanto isso não assegura um aumento inexpressivo na ponta, já que a pressão é muito alta”, diz o presidente da empresa, Alexandre Ostrowiecki.
Para contrabalançar a retração nas vendas que os aumentos de preços podem provocar, Ostrowiecki conta que a companhia está desenvolvendo linhas de produtos mais simples e competitivas para caber no bolso do consumidor. José Jorge do Nascimento, presidente da Eletros, associação que reúne os fabricantes de eletroeletrônicos, explica que as indústrias estão repassando os aumentos de custos para os preços porque não têm como absorvê-los. Apesar da situação complicada, ele ressalta que as companhias do setor não pensam em ajustar a produção e o emprego. Mesmo com a demanda fraca neste momento, os fabricantes enxergam uma recuperação do consumo no segundo semestre, com o avanço da vacinação.
Exportadores. Apesar do peso da alta do dólar nos custos de vários componentes e matérias-primas, fabricantes de calçados e frigoríficos que vendem para o exterior parcela significativa da produção conseguem obter ganhos com o avanço do câmbio. O Grupo Dok, fabricante de calçados femininos e infantis das marcas Ortopé, Dok e Dijean, com unidades em Birigui (SP) e em Frei Paulo (SE), viu dobrar no último ano a fatia das exportações na produção de 16 mil pares por dia. Hoje a empresa exporta 16% da produção. “Esse resultado é por conta do desabastecimento que houve no mercado externo em razão da pandemia e da alta do dólar”, diz o diretor de Negócios, Otávio Facholi.
Ele conta que desde o ano passado a empresa tem sido afetada pela retração nas vendas domésticas por causa da covid 19 e as exportações para 25 países, a maioria da América Latina, têm contribuído para manter as duas fábricas em funcionamento. Juntas, elas empregam 1,3 mil trabalhadores.
O cenário de alta do câmbio também é favorável para frigoríficos de aves e suínos, mas apenas para aqueles que têm parcela significativa da produção voltada para exportação. Ricardo Santin, diretor executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), observa que a alta do câmbio foi boa para os frigoríficos que são grandes exportadores “porque deu mais competitividade aos produtos, apesar dos custos malucos”. Pressionado pelo milho e pelo farelo de soja, commodities cotadas em dólar que são a base da alimentação de suínos e frangos, o custo de produção dessas carnes subiu, em média, 45% em 12 meses. Essa alta afetou os frigoríficos voltados ao mercado doméstico, onde há hoje empresas que operam no vermelho.
Santin diz que não é possível dizer qual é a posição geral do setor. “Depende da representatividade das exportações na produção de cada um. Para quem exporta muito foi maravilhoso.” Em março, as vendas externas de frango e suínos superam a meta mensal de 500 mil toneladas estabelecida pelo setor. Foram 109 mil toneladas de suínos e 396 mil toneladas de frango. “Essa marca foi atingida muito em função do câmbio.”