Abril Verde – Um olhar sobre a Saúde e Segurança do Trabalho

Cosmo Palasio de Moraes

Em todos os anos, o mês de abril é dedicado ao tema da Saúde e Segurança do Trabalho nas empresas, em especial na última semana, que antecede o Dia Mundial do Trabalho, celebrado em 01 de maio.

Para oferecer um conteúdo de qualidade sobre este tema que tanto impacta nossas empresas, entrevistamos Cosmo Palasio de Moraes.

Um dos mais reconhecidos especialistas na área, tem mais de 35 anos de experiência com uma trajetória consolidada como Engenheiro de Segurança do Trabalho em empresas como COPA Cia de Papéis, da Cooperativa Central de Laticínios do Estado de São Paulo, Parmalat, Volkswagen e Coordenador de Segurança, Saúde e Meio Ambiente da SMI.

Cosmos, nesta entrevista, nos fez refletir sobre tópicos fundamentais à rotina das companhias como o impacto da tecnologia na área, problemas mais contemporâneos como o burnout e o potencial de economizar despesas com investimentos em prevenção de acidentes e saúde corporativa.

 

1 – Em aspectos gerais, como está a área de saúde e segurança do trabalho, hoje, no pós-pandemia e como os técnicos têm atuado dentro das empresas?

Penso que quando tratamos de um assunto tão sério e com potencial de causar danos irreversíveis, como ocorre no caso de acidentes e doenças do trabalho, não podemos ficar restritos a uma resposta evasiva e vazia. Todas as estatísticas – mesmo sendo elas parciais, porque geralmente abrangem apenas a parte das relações formais de trabalho, não alcançando, por exemplo, o trabalho informal – mostram que houve um significativo aumento no número de acidentes do trabalho no Brasil. Então, a resposta para sua pergunta na melhor forma de poder analisar como está a área de segurança no trabalho certamente não pode ser muito positiva, mesmo que muitas vezes aparentemente pareça estar. Muito importante que as pessoas intendam o quanto é preciso dentro das organizações fazer um grande exercício avaliando se tudo que se tem na teoria quanto à segurança e saúde no trabalho de alguma forma chega até a prática, evitando assim ser surpreendido por situações bastante delicadas.

2 – Quais são os principais desafios dos técnicos em segurança do trabalho na indústria moderna?

Essa é uma ótima pergunta. A questão cultural da prevenção, em qualquer área em nosso país, é ainda muito rudimentar e para que isso não cause ainda mais danos, precisamos garantidamente suplementá-la com alguns tipos de ações e atuações. Traduzindo para a questão da segurança e saúde no trabalho, na maioria das organizações a atuação do profissional Técnico de Segurança sempre esteve associada à atuação no campo, fazendo frente às necessidades e cuidados relativos à prevenção, ou seja, “fazendo acontecer” o que nem mesmo foi planejado e em muitas vezes o que apenas estava no papel, mas não era cumprido.

Hoje, muito se fala em indústria moderna e olho para isso com certa cautela e sempre começo minha análise pela questão “moderna no quê?”.  Então, se de fato houve, por exemplo, modernização nos meios de produção, por exemplo, temos um tipo de problema: raramente se propicia aos profissionais de segurança do trabalho atualizações para que sua atuação seja compatível com novas máquinas e equipamentos.

Muitas vezes as coisas não mudam na realidade e, ao mesmo tempo, afastam os profissionais de segurança das atividades de campo, para preencherem dezenas de formulários e coisas assim e, quando isso ocorre, tenham certeza de que é só uma questão de tempo para o acidente ocorrer.

A área de segurança e saúde no trabalho vive uma grande crise de identidade quanto à sua finalidade, quanto ao papel dela em cada tipo de organização, não por sua atividade, mas pelo grau de maturidade em relação à prevenção.

3 – A indústria está bem preparada em sua atuação na área de saúde e segurança do trabalho? O que pode melhorar?

Claro que, ao longo do tempo, quase tudo melhora e evolui até mesmo naturalmente e não é diferente com a segurança e saúde no trabalho. Mas, precisamos entender o que queremos entender como “bem preparada” que, na minha forma de ver, precisa ter uma boa base de sustentabilidade quanto a tudo que diz respeito ao assunto. Isso passa de maneira muito forte por pessoas em todos os níveis da organização e quando nos referimos a isso tenho comigo uma grande preocupação, porque vejo com muita frequência ainda pessoas repetindo coisas sem que elas de fato tenham algum significado real, tanto para elas mesmas como por consequência para as organizações.

Vejo formar um suposto conjunto “humano + tecnologia” sem maiores entendimentos sobre as implicações e responsabilidades dos assuntos. Isso me causa espanto e sempre muita preocupação e quase sempre foge do senso comum ao ter um acidente – são causas subjetivas, seja por intencionalidade ou não.

O ingrediente essencial da segurança e saúde no trabalho é a pessoa, porque apesar de tudo que podemos colocar no entorno sempre resta uma possibilidade de decisão, então, por mais que se evolua em termos de tecnologia sem cuidar do humano sempre teremos problemas.

4 – Novas tecnologias têm impactado todo o universo do trabalho, há novidades na área de saúde e segurança? Em que a evolução tecnológica pode contribuir para área?

Em alguns locais de trabalho – especialmente nas organizações maiores – vemos muita coisa boa entre elas. Sistemas de permissão de trabalho bastante interessantes e completos que vão desde a possibilidade dos gestores em qualquer parte do mundo observar, analisar e dar início a um processo de autorização, mesmo que distantes dos locais onde os mesmos serão realizados e que se complementam por crachás que restringem os acesso aos locais; bem como equipamentos de segurança para veículos industriais que atuam para inibir possíveis desvios de falhas nas operações e, muito especialmente – embora com algumas restrições – a utilização de sistemas para listas de verificação, análise de riscos, etc. Quanto às restrições que menciono acima mais de uma vez, me refiro ao fator humano, pois em diversas situações nota-se um imenso investimento na aquisição dos meios e quase nada na preparação das pessoas para que irão utilizar. Bons veículos, sem bons condutores, tendem a ter problemas. Não são apenas formalidades – são práticas que dizem respeito à segurança e saúde de pessoas.

5 – Quais são as tendências em pauta na área de saúde e segurança no trabalho? Como os profissionais lidam com questões como Burnout e Etarismo, por exemplo, nas empresas?

Outra ótima questão. Em relação às tendências, existe um universo imenso de possibilidades. A primeira delas e mais visível diz respeito a algumas ações oriundas do próprio governo, tais como o Esocial no qual muitos depositam suas esperanças e suas preocupações. No fundo, a ideia é boa, mas, na prática, difícil de imaginar até onde ela pode ir e chegar.

Há nisso tudo um grande problema: em alguma hora ou algum momento da história vamos ter que encarar e de perto a questão dos acidentes e doenças do trabalho no Brasil, que segundo estimam custa R$ 72 bilhões anualmente. Ninguém precisa ser especialista para entender que esse valor escoa pelo ralo, faz falta e, mais do que isso, que nossa combalida previdência social sofre um imenso impacto. Então, a tendência é que tenhamos que de fato mudar as coisas, não apenas a aparência delas e muitas organizações poderão ser pegas de surpresa.

No que diz respeito às questões pertinentes à saúde mental, com certeza estamos ainda muito distantes de qualquer coisa mais profunda em relação ao tema. Existem, sim, bons estudos, boas intenções, mas quase tudo esbarra ainda em velhas formas de ser e fazer. Entre essas velhas formas está a forma não de preparar profissionais de nível técnico para que de forma básica possa atuar em relação ao assunto, como na atenção primária – isso faz com que tudo tenho custos mais altos e que os processos sejam mais morosos.

Recentemente escrevi e publiquei um artigo sobre a questão do Etarismo, assunto que me fascina porque desconheço razões práticas para que ele siga existindo no universo do trabalho. Lamento muito que parte de nossa sociedade que, às vezes me parece se preocupar com assuntos relativos aos preconceitos, pouco ou nada diga sobre isso. O Etarismo faz muito mal a sociedade por muitos motivos que vão desde à questão do ócio obrigatório, com bastante impacto sobre a saúde mental dessas pessoas, até mesmo as dificuldades diversas em uma sociedade na qual se aposentar é quase um milagre e quando esse milagre ocorre começa o outro que é a tentativa de sobreviver.

6 – Qual o impacto da prevenção no orçamento das empresas hoje? Em relação a custo de implementação e economia com bons resultados?

Essa é uma questão muito difícil, uma pergunta que teríamos muitas respostas. Há um chavão antigo que afirma que prevenção não é custo e sim investimento. Eu faço sempre um pequeno reparo, ou quem sabe uma adição, afirmando que a BOA prevenção não é custo e sim investimento.

Temos um forte entendimento de que se fizermos tudo ou quase tudo que está em nossa legislação, temos prevenção ou a tal de segurança e saúde no trabalho. Poucas pessoas, no entanto, entendem que isso só pode ser verdade, primeiro se tudo for articulado, integrado ou algo assim, ou seja, uma porção de iniciativas até mesmo com boa intenção não ajuda muito na gestão do seja lá o que for.

Segundo, as ações e práticas precisam ter qualidade, por exemplo, gastar R$ 1 milhão de por ano com exames médicos ocupacionais de baixa qualidade não é investimento, é jogar dinheiro no lixo. E o mesmo ocorre com treinamentos feitos por fazer, com proteções instaladas em máquinas, que se utilizadas a máquina não consegue ao menos funcionar. Segurança e saúde feita para apenas cumprir normas, ter bons resultados e auditorias ou criar imagem custa caro demais e muito raramente dá algum resultado.

E atrás disso cria-se a lenda de que segurança e saúde é algo que não tem mesmo jeito, que se gaste quanto gastar as coisas não mudam – lenda essa que só atrapalha e cria mais dificuldades.

Claro que existem muitas experiências positivas as quais cada centavo retorna, mas isso depende de muitas coisas que precisam ser feitas antes de destinar recursos.

7 – Muitos defendem a desburocratização e a redução de complicações para as empresas em geral, uma vez que consideram o Brasil como um país com excesso de leis e regulamentos. Como você enxerga esse movimento de simplificação nas questões pertinentes à Segurança do Trabalho?

Negar que temos leis e regulamentos em excesso é uma sandice e isso tem pelo menos mais de um aspecto a ser observado.

Podemos começar entendendo que a nossa cultura do não cumprir; por conta disso, mesmo as leis e regulamentos que teriam alguma utilidade prática simplesmente custam e não resultam em benefícios. Há muitos exemplos quanto a isso, por exemplo, nas Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho que, ao invés de se transformarem em práticas, apenas viram papéis e isso causa a sensação de que só servem para isso.

Segundo, podemos dar de frente com o mundo da redundância – especialmente aqueles que como nós, que realizamos auditorias, sabem bem do que estamos falando. Para alguns assuntos, existem diversas leis e normas, algumas delas federais, outras estaduais, outras tantas municipais, isso sem falar nos concelhos, etc. Invariavelmente são redundantes e, ao mesmo tempo cada uma delas termina em algum processo burocrático que leva para a emissão de um ou mais documentos. Isso sem falarmos nos corporativismos doentios.

Outro ponto importante que antecede a tudo isso diz respeito aos atores que fazem certas leis e regulamentos. Muitos deles ou jamais entraram em um local de trabalho e se entraram faz muito tempo que não voltam lá. E aí surgem certas obras que, embora sejam maravilhosas, pouco ou nada se consegue aplicar.

É claro que isso precisa ser mudado. Até porque leis e normas que de fato são importantes se perdem em meio às toneladas de penduricalhos que para pouco ou nada servem, mas, custam.

8 – Há alguma pauta que gostaria de destacar para o futuro deste trabalho dentro da indústria? Alguma recomendação?

Penso que existe o futuro dos que ditam teorias e o futuro real. Colocando foco no real, temos alguns milhões de pessoas que precisam trabalhar para sobreviver e não creio que tenhamos muitas opções que não seja o trabalho. Penso também que, por mais que as coisas evoluam, teremos ainda por algum tempo que conviver com tipos de trabalhos que causam danos maiores e que lá na frente isso vá se encontrar com uma geração de pessoas mais fragilizadas e que, por conta disso, os problemas ocupacionais serão ainda maiores.

Trabalhar com cenários é parte da prevenção – pensar antes de acontecer e fazê-lo sempre a partir da realidade.