Com inflação e juros em alta, produção deeletrodomésticos cai 25% no 1º tri

09/05 – Fonte: Valor Econômico

 

Mercado apresenta demanda fraca e produtos mais caros com repasse de custos

 

Com inflação e juros em alta, a produção de eletrodomésticos começou 2022 em queda superior a 20%. O segmento, que já vinha sofrendo com a dificuldade de acesso a insumos e aumento de custo por causa de desorganização da cadeia produtiva e elevação dos preços de commodities trazidos pela pandemia, sente cada vez mais o orçamento apertado do consumidor, corroído por mais gastos com alimentos, energia e combustível.

No primeiro trimestre, a produção de eletrodomésticos caiu 25,3% em relação a igual período do ano passado, segundo informações detalhadas da pesquisa de produção industrial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o terceiro trimestre seguido de queda no indicador. A retração também aparece com dois dígitos em subgrupos como linha branca (geladeira, fogão, máquina de lavar), linha marrom (TV e som) e outros (eletroportáteis). Ao mesmo tempo, os preços de eletrodomésticos e equipamentos subiram 7,46% em igual período, acumulando alta de 20,43% nos 12 meses até março, segundo dados também do IBGE, do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), refletindo repasse do aumento de custo de produção do setor.

A guerra na Ucrânia e o novo surto de covid-19 na China agravam ainda mais o cenário, classificado por executivos das empresas como “desafiador”, para evitar o tom negativo. As paradas nas fábricas chinesas por causa de “lockdowns”, especialmente na região de Xangai, já se refletem em algumas companhias.

Há quem já tenha buscado as segundas opções de fornecedores para os insumos — a prática do chamado “dual sourcing” se expandiu por causa dos problemas enfrentados com a pandemia — e também o frete aéreo, para encurtar o tempo do trajeto, no caso de alguns produtos, enquanto outros ainda estejam monitorando a questão e vejam efeito só mais à frente. Todos descartam possibilidade de interrupção de produção de algumas linhas, mas admite-se que parte do mercado pode enfrentar esse risco.

“A queda no primeiro trimestre está muito relacionada com o caixa do consumidor. A inflação subiu muito e a inadimplência também aumentou. O dinheiro disponível do consumidor brasileiro para uma parcela de eletrodoméstico foi sendo consumido pela comida, pela energia, pela gasolina”, afirma Sergei Epof, vice-presidente da Panasonic Brasil responsável pela chamada área de “appliances”, que responde principalmente pela linha branca, já que a empresa interrompeu a produção de linha marrom no Brasil no ano passado, seguindo uma estratégia global.

O mercado brasileiro vive hoje, de acordo com ele, uma combinação entre uma demanda mais fraca com um produto mais caro — por causa de parte do repasse pelo aumento de custo — e um crédito também mais caro. Diante da alta de juros, o consumidor tem pagado mais pelos empréstimos e há aumento da inadimplência.

“A demanda caiu e o eletrodoméstico aumentou de preço. Tivemos muito aumento de custo, que passa pelo frete internacional, por causa do petróleo, o dólar, que se mantém em patamar alto, mesmo com pequena queda recente, e insumos como aço, resina, semicondutores”, explica Epof, afirmando que parte desse custo foi repassado para o consumidor.

Diretor-superintendente da Esmaltec — fabricante de eletrodomésticos do grupo cearense Edson Queiroz —, Marcelo Campos argumenta que “a demanda praticamente sumiu” como resultado da inflação dos insumos e da queda do poder aquisitivo. Os resultados frustraram a partir de meados do ano passado, diz ele, especialmente no último trimestre do ano, época tradicionalmente boa para as vendas de bens duráveis, com a Black Friday e o Natal. Isso ocorreu depois de um movimento de aumento da procura por eletrodomésticos depois dos meses iniciais da pandemia, já que as pessoas estavam mais em casa.

Campos destaca a magnitude do aumento do custo dos componentes, que impactam especialmente empresas como a dele, que trabalham com os chamados produtos de entrada, com preço mais baixo. O aço subiu 163% em 2021, segundo ele, e já acumula alta de 20% em 2022. Isso afeta itens como compressores, evaporadores e condensadores para refrigeradores, por exemplo. “Parte do custo foi repassada ao consumidor, mas também há um esforço grande para rever negociações com fornecedores e processos para segurar parte dessa pressão”, diz.

A piora dos casos de covid-19 na China trouxe de novo a preocupação de fábricas paradas, no momento em que a situação de fornecimento de insumos já tinha se normalizado, conta Silvia Tamai, diretora de marketing da Philips Walita, divisão dos eletroportáteis da empresa.

“A situação de atraso e falta de insumos já tinha minimizado bem. Nossa perspectiva em janeiro era bem positiva, tínhamos retomado para o nível normal. Mas a condição voltou a preocupar há um mês, um mês e meio”, conta ela, que ainda assim espera volume maior de vendas em 2022 que no ano passado.

Os problemas afetam tanto os insumos usados diretamente na fábrica de Varginha (MG), quanto a parcela dos produtos que são importados diretamente de outras unidades, como alguns modelos de cafeteiras que vêm da Europa, por exemplo. A maior parte dos insumos e dos produtos vendidos é produzida no Brasil, explica ela, mas ainda assim a parte importada acaba tendo impacto no fluxo de produção.

“Tem um filtro que vai para a máquina de café expresso que vem da China. A gente traz o produto da Europa, mas eles por lá também dependem de algum componente que vem da China”, observa.

Em seu balanço global para o primeiro trimestre de 2022, a Electrolux creditou a queda nas vendas na América Latina ao recuo da demanda no Brasil, já que inflação e juros altos afetaram o poder de compra do consumidor.

Já a Whirlpool (dona das marcas Brastemp e Consul) não cita o cenário no Brasil em seu relatório para o período de janeiro a março, mas tem previsão de recuo da indústria de eletrodomésticos como um todo na América Latina em 2022, situação que se repete para a região de Europa, Oriente Médio e África.