Renovação na indústria deve considerar descarbonização, transformação digital e nova matriz energética

Armando Monteiro Neto

1 – O Brasil viveu um momento de forte industrialização em sua economia, em que a indústria respondia por uma fatia significativamente maior do que hoje no nosso PIB. É possível reverter este cenário? Qual seria o caminho?

Realmente é um grande desafio hoje você relançar a indústria brasileira. E este conceito de neo industrialização, proposto pelo atual governo, é interessante.

Entretanto, o relançamento da indústria brasileira tem que se dar também em bases novas, ou seja, nós estamos vivendo o momento de todo impacto do processo de transformação digital, da indústria 4.0.

Também precisamos olhar para os desafios da descarbonização, da transição energética, entre outras agendas contemporâneas, do nosso tempo.

Deste modo é preciso que a reconstrução de nossa indústria considere essas mudanças que ocorreram no ambiente externo e sobretudo essas variáveis que combinam a questão acelerada da digitalização e da mudança da matriz energética.

 

2 – O que o senhor achou da recriação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI)?

Eu sempre defendi essa medida quando fui presidente da CNI. Eu valorizei muito esse espaço. Acho que a indústria precisa ter um status de interlocução. É muito importante que todo o governo, incluindo a presidência da República, esteja mobilizado nesta interlocução, que conheça a agenda da indústria, nossas competências, vulnerabilidades, oportunidades e desafios.

Portanto, o CNDI é um espaço Fundamental para garantir uma melhor governança da política industrial, seja ela qual for.

3 – O Custo Brasil é apontado como um grande entrave para que nosso país receba investimentos voltados para a produção. Este problema foi detectado há décadas e é de difícil solução. Quais medidas paliativas imediatas que poderiam amenizar o problema e melhorar nosso ambiente de negócios?

Neste processo de neo industrialização, devemos destacar que temos uma agenda dupla para cumprirmos. Além dos pontos que já mencionei, referentes à modernização, temos ainda alguns gargalos do passado que precisam ser enfrentados, melhorando o ambiente de operação de nossas empresas. Neste contexto, temos a questão do Custo Brasil.

E nós temos uma série de problemas a serem enfrentados, como a reforma do sistema tributário, que é muito disfuncional e complexo. Temos, ainda, desafios ligados à questão do custo de capital, que é muito elevado, e a questão do nosso capital humano.

Em relação ao capital humano, por exemplo, temos que fazer um grande esforço nessa área e uma agenda nova que você possa desenvolver competências, dominar tecnologias, enfim, garantir a formação de profissionais bem preparados.

 

4 – Do ponto de vista macroeconômico, o Brasil vem se esforçando no controle da inflação e o Governo Federal apresentou uma proposta de um novo arcabouço fiscal, de comprometendo com o controle dos gastos. Mesmo assim, os juros seguem muito elevados. Qual o impacto dos juros altos na indústria?

O Brasil necessita reduzir a taxa de juros. Esta medida seria benéfica para o setor produtivo. Entretanto, não adianta se promover uma redução artificial das taxas de juros. Nós precisamos fazer com que a política monetária seja sustentada pela política fiscal se não quisermos repetir erros do passado.

O Brasil possui uma taxa de juros elevada pelo desequilíbrio fiscal. O governo, para financiar a dívida pública, precisa oferecer aos investidores uma remuneração que possa estimulá-los a continuar a financiar a dívida.

Se, de repente, se reduz artificialmente a taxa de juros, cria-se uma situação de grande embaraço do ponto de vista do financiamento da dívida pública. Então, neste sentido, o arcabouço fiscal que o governo lançou, esta nova regra fiscal, é importante para que a política fiscal possa dialogar com a política monetária, para podermos ter um ambiente macroeconômico com a melhor coordenação das políticas monetária e fiscal.

Por outro lado, não podemos nos esquecer que o Brasil é o resto do mundo estão vivendo um surto inflacionário, com origem ainda na pandemia, na destruição dessas cadeias, no problema da grande elevação de preços da energia, incluindo, também, o problema da guerra entre a Rússia e Ucrânia.

Felizmente, o Brasil está com inflação relativamente controlada. Precisamos agora estabelecer um regime fiscal que possa garantir uma maior previsibilidade, estabilizando a dívida no médio prazo e, a partir daí, criar realmente condições para ir reduzindo a taxa de juros de maneira sustentável

5 – Muito se fala na necessidade de melhorar a produtividade da indústria nacional. Entretanto, em alguns setores, os níveis de produtividade de nossas plantas fabris e de nossos trabalhadores são equivalentes aos indicadores de países desenvolvidos. Como poderíamos nos tornar mais produtivos em um maior número possível de setores industriais?

Precisamos desenvolver novas competências, dominar novas tecnologias, atuar na transição energética e, ao mesmo tempo, enfrentar esses gargalos mais antigos, como, por exemplo, promover a reforma tributária, reduzir burocracia, criar um padrão de financiamento novo, reduzindo o custo de capital.

Ao melhorar esse ambiente de operação das empresas, poderemos aproveitar essas oportunidades que estão sendo oferecidas pelas mudanças, essa reconfiguração das cadeias produtivas, por exemplo.

6 – Como podemos melhoras os investimentos em inovação e P&D no país? Como nos tornarmos atraentes neste sentido?

O Brasil tem condições de se colocar muito bem para receber investimentos, mas precisa oferecer um melhor ambiente de operação às empresas. Se isso não ocorrer, vamos, evidentemente, fora desse jogo e perder espaço para outros países em desenvolvimento como México e localidades na Ásia.

Precisamos, também, desenvolver competências para atender essas demandas da chamada nova indústria. Então, eu acho que é esse o desafio para uma nova política industrial. Tem que se promover a competitividade em várias dimensões. E, portanto, esse é o maior desafio. Lembrando que o mundo está enfrentando essa agenda.

Os Estados Unidos têm uma política industrial nova, a Europa e a própria Ásia também. O Brasil não pode deixar de também ter essa visão e não pode dispensar novos investimentos para se desenvolver.