Câmbio e custos pioram situação de empresas

03/03 – Fonte: Valor Econômico

 

Não há sinais de alívio para as empresas brasileiras neste início de ano. O recrudescimento da pandemia acentua a perspectiva de demanda fraca e coloca em xeque a previsão de alguns setores para 2021. Ao mesmo tempo, a contínua alta dos preços das commodities sem uma contrapartida cambial – pelo contrário, a desvalorização do real prossegue – dificulta o acesso a insumos e pressiona custos, o que pode achatar margens e elevar preços ao consumidor. Uma das mais prejudicadas pela pandemia, a indústria têxtil teme não conseguir recompor as perdas do ano passado ainda em 2021, afirma Fernando Pimentel, presidente da Abit, que reúne empresas do setor. As projeções ainda não foram revisadas, mas o viés é de baixa. “O prognóstico era terminar o ano com a produção geral no patamar de 2019. Mas a piora da pandemia, com restrições de mobilidade, afeta o comércio de vestuário, cuja compra pode ser postergada”, diz ele.

 

Para completar o quadro, há uma “explosão” no preço de commodities, impactando o algodão e matérias-primas sintéticas, segundo Pimentel. “Vai gerar um novo ponto de equilíbrio que eu não sei exatamente qual será.”

 

Ontem, o dólar tocou R$ 5,73, com o presidente Jair Bolsonaro optando por elevar a taxação de alguns setores para compensar as perdas geradas pela zeragem do PIS/Cofins sobre o diesel e o GLP.

 

A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) suspendeu suas estimativas para o setor neste ano. Há cerca de um mês, calculava crescimento nominal de 3,5%. João Carlos Basílio, presidente da entidade, ainda diz esperar avanços, mas afirma que é difícil cravar projeções “porque a preocupação com a economia está muito grande”. A associação estima que o primeiro semestre será de queda em relação a 2020. “Minha percepção é que pode chegar a dois dígitos”, diz Basílio.

 

A Farmax, fabricante mineira de cosméticos, produtos farmacêuticos e hospitalares, fechou 2020 com crescimento de 20%, atingindo uma receita da ordem de R$ 500 milhões. Para este ano, estima avanço menor, em torno de 10%. A empresa encerrou acordo que tinha desde 2018 para distribuir produtos da sul-coreana LG Household & Health Care. Com a variação cambial, parou de fazer sentido importar, conta Ronaldo Ribeiro, presidente da Farmax.

 

A indústria elétrica e eletrônica continua com um “otimismo cauteloso”, mas a piora da pandemia nos últimos 15 dias também afeta as expectativas dos empresários, segundo Humberto Barbato, presidente da associação que representa o setor, a Abinee. “Gostaríamos que o ritmo de vacinação pudesse ser maior”, diz ele. “Se as pessoas percebem que vai demorar mais tempo para sair dessa situação, tendem a gastar menos.”

 

Sondagem da Abinee de janeiro mostra que as dificuldades das empresas do setor na aquisição de componentes e matérias-primas persistem, conforme 71% das entrevistadas. Continua alto também o número de empresas que perceberam pressões acima do normal nos custos – 85%, ante 30% em janeiro de 2020.

 

A Lenovo, por exemplo, vê instabilidade na oferta de insumos pelo menos até julho. Quando o assunto é preços, porém, o maior problema é mesmo o câmbio. “No ano passado tivemos um aumento do dólar de 30% e que teve de ser repassado durante todo o ano. Neste começo, já vimos mais um repique na moeda de 3%”, diz o presidente da empresa no Brasil, Ricardo Bloj. Cerca de 95% dos componentes de um computador estão atrelados à divisa norte-americana. A aposta da Lenovo é de um câmbio médio na casa dos R$ 5,40 para o ano, com uma possibilidade de queda mais para o final do período.

 

No segmento de eletroeletrônicos, além da dor de cabeça com o câmbio, ainda está no radar o risco de uma nova paralisação por causa da covid-19. Em abril, a pandemia levou o setor a reduzir em 80% sua produção. “A experiência mostra que talvez tenhamos um cenário em março e abril extremamente preocupante”, afirma José Jorge do Nascimento Junior, presidente executivo da Eletros, que representa indústrias de linha branca e marrom, entre outras.

 

Em meio à escala do dólar, empresas buscam rever processos. A Cimed tem implantado uma política de hedge (proteção cambial) com posições renovadas a cada seis meses, segundo José Roberto Lettiere, CFO da farmacêutica. A sul-africana Aspen Pharma fez uma gestão mais austera de custos e investimentos. Alguns aportes foram postergados ou reduzidos, como a melhoria da fábrica na cidade de Serra (ES), de acordo com o presidente da subsidiária brasileira, Alexandre França.

 

Além do câmbio, que afeta a importação de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFA), o setor farmacêutico sofreu com reajustes postergados em 2020, lembra Nelson Mussolini, presidente executivo do sindicato do ramo, o Sindusfarma. “Astros estão alinhados para reduzir os resultados neste ano.”

 

Na indústria de materiais de construção, Rodrigo Navarro, presidente da entidade que representa o setor, a Abramat, defende que a cadeia da construção encontre conjuntamente solução para os impactos do câmbio, commodities, valores dos fretes e falta de contêineres. A Lorenzetti – fabricante de duchas e chuveiros elétricos, entre outros – reajustou os preços de seus produtos no patamar médio de 9%, em janeiro e considera necessária nova rodada.

 

Para algumas empresas, no entanto, é mais difícil fazer repasses. A Phisalia Cosméticos chegou a fazer um pequeno reajuste na virada do ano, mas o consumidor está mais sensível a aumentos, já que outros gastos, como alimentação.

 

Destoando, a indústria de máquinas e equipamentos não deve revisar o cenário otimista traçado para o ano, diz José Velloso, presidente-executivo da Abimaq, associação do setor. Se o comércio internacional ganhar ritmo, a avaliação é de um cenário benéfico para exportações, sobretudo se mantido o real desvalorizado.

 

 

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/03/03/cambio-e-custos-pioram-situacao-de-empresas.ghtml