ANÁLISE ELETROS

Em julho, o Congresso Nacional aprovou a PEC 15/22, que autorizou o reajuste de R$ 400 para R$ 600 no pagamento mensal do Auxílio Brasil e criou programas de auxílio para caminhoneiros e taxistas. A PEC também alterou as alíquotas de ICMS de combustíveis para tentar neutralizar o impacto da alta para o consumidor.

Essas decisões foram tomadas em um ambiente em que a inflação, apesar de estar em um ritmo de desaceleração, ainda continua bastante elevada. O IPCA, medido pelo IBGE, acumula uma alta de 11,89% até junho, considerados os últimos 12 meses.

Sem esquecer também que, apesar dos recursos de R$ 41 bilhões para financiar essas despesas não recorrentes, o mercado se preocupa com o impacto na progressão da dívida pública e no setor fiscal.

Somado a esse contexto, o país ainda convive com a expectativa de uma campanha eleitoral que foge ao roteiro de campanhas de anos anteriores. A indústria de eletroeletrônicos e eletrodomésticos e diversos segmentos da economia estão atentos a esses movimentos, que podem ser decisivos para a evolução da economia do país nos próximos anos.

Para analisar os impactos de todas essas variáveis e projetar possíveis cenários para o curto prazo, o Conectados conversou com o economista Rodolfo Margato Silva, da XP Investimentos. Rodolfo é mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo, atuou na área de estudos e pesquisas econômicas da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) entre 2012 e 2015 e na área de pesquisa macroeconômica do Banco Santander.

O Conectados também ouviu Tatiana Pinheiro, economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital, companhia de investimentos e gestora de recursos com R$3 bilhões sob gestão. A executiva trabalha com análise macroeconômica desde 1995, em instituições financeiras, com passagens pelo Panamby Capital, BNP Paribas Asset, Santander, ABN-Amro Bank, Itaú Corretora, Bradesco e Unibanco. Economista graduada pela USP e com mestrado em Macroeconomia pelo Insper SP e em Finanças e Econometria pela Queen Mary College (University of London). Atualmente, é doutoranda em Economia na FGV-SP e articulista da Broadcast/Estadão.

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Rodolfo Morgato Silva

Conectados: Como o mercado recebeu a aprovação da PEC?

Rodolfo Margato: A primeira estimativa importante do time econômico da XP é que essas medidas, em conjunto com a aprovação do Projeto de Lei Complementar 18, que reduz alguns tributos sobre combustíveis, eletricidade, transporte público coletivo e telecomunicações, poderia aumentar em até 0,4 ponto percentual o crescimento do PIB brasileiro em 2022.

Essa avaliação diz respeito ao impacto sobre a atividade econômica no curto prazo, que é positivo, pois acompanha a recuperação firme do mercado de trabalho observada no primeiro semestre deste ano.

Algumas outras medidas já impactaram a dinâmica do varejo e do setor de serviços no segundo trimestre deste ano. A saber, a liberação dos saques extraordinários do FGTS e a antecipação do pagamento do 13º. salário a pensionistas e aposentados do INSS.

 

Conectados: Como o consumo das famílias pode ser beneficiado com essas medidas?

Rodolfo Margato: O consumo das famílias mostra uma resiliência no curto prazo. Os dados do primeiro semestre foram majoritariamente positivos, especialmente para os segmentos mais sensíveis à disponibilidade de renda.

Cálculos da XP apontam um crescimento de quase 7% do conceito de “massa de renda ampliada” disponível nas famílias no primeiro semestre de 2022, na comparação com o segundo semestre de 2021, já descontados os efeitos da sazonalidade.

Deve-se observar que esta injeção de renda vai atingir os setores de economia de forma diferente. Os bens mais sensíveis à renda como supermercados, artigos farmacêuticos, vestuário e calçados devem ser atingidos mais rápido se comparados a itens como eletroeletrônicos, eletrodomésticos, materiais de construção, móveis, veículos etc.

Explica-se por que a reação de setores do varejo que não dependem de condições de financiamento é mais rápida e com ticket médio mais baixo. No entanto, o efeito líquido sobre as atividades no geral é positivo.

 

 

Conectados: Qual poderá ser o impacto das novas medidas no PIB?

Rodolfo Margato: A primeira avaliação diz respeito à sustentação do consumo no curto prazo, por mais alguns meses, e uma desaceleração mais suave da atividade econômica ao longo do segundo semestre em relação ao que era projetado no início do ano.

Esse conjunto de medidas foi um dos fatores responsáveis pela recente revisão do time econômico da XP para o crescimento do PIB em 2022. A projeção atual é de 2,2% de alta contra 1,6% estimado anteriormente. Temos observado que outros agentes do mercado vão na mesma direção.

 

Conectados: Como conciliar o aumento de renda com uma inflação ainda considerada alta?

Rodolfo Margato: A inflação continua bastante elevada, acima de 11% no acumulado em 12 meses, segundo o IPCA, medido pelo IBGE. Por um lado, aquele projeto de Lei Complementar que já foi aprovado no Congresso, que na prática impõe um teto ao ICMS sobre novos bens e serviços essenciais, atua como um efeito redutor sobre a inflação de curto prazo, o que nos fez reduzir a nossa expectativa para o IPCA deste ano que passou de 9,2% para 7%.

Por outro lado, algumas medidas acabaram impondo uma pressão sobre determinados preços na economia. Maior disponibilidade de renda e maior incentivo ao consumo no curto prazo não trazem alívio para os preços correntes. Muito pelo contrário, há uma preocupação com os efeitos inflacionários com algumas dessas medidas. Ainda que, em termos líquidos, considerando todo o conjunto de peças legislativas aprovadas recentemente, o impacto a tendência é de queda para o IPCA de 2022.

 

Conectados: Essa tendência de baixa na inflação continuará em 2023?

Rodolfo Margato: Para o ano que vem, continua a preocupação no campo inflacionário, porque o retorno de alguns tributos, somado a maiores incertezas no campo fiscal, tem puxado as projeções de inflação. A XP já projeta 5% para o IPCA em 2023, o mercado chega a projetar variações mais altas.

Há uma preocupação com impacto no aspecto fiscal, por causa das renúncias tributárias e expansão de despesas. A PEC 15/22 ampliou para quase R$ 42 bilhões os gastos do governo. Esse movimento, no curto prazo, diminui a chance de superávit primário em 2022 e pode aumentar a percepção de risco fiscal, de temores em relação à sustentabilidade da dívida pública a médio e longo prazo. Nós temos visto no mercado um aumento do prêmio de risco mais alto para os principais ativos financeiros por conta dessas incertezas fiscais.

É claro que outras variáveis, especialmente externas, também têm atuado para ampliar essa pressão, como o mercado cambial. Temos visto níveis bem mais depreciados do nosso câmbio do que em relação a alguns meses e uma maior pressão na curva de juros e outros ativos. No entanto, existem as questões domésticas e a percepção de risco fiscal é a principal delas.

Conectados: Em declaração à imprensa, o ministro Paulo Guedes afirmou que a arrecadação extraordinária de R$ 57 bilhões este ano (decorrente de ganhos tributários e dividendos de estatais) será suficiente para financiar o custo das medidas. Apenas para o pagamento do Auxílio Brasil, calcula-se que serão destinados R$ 41 bilhões. É possível calcular se esse montante é suficiente para atender aos objetivos do governo?

Rodolfo Margato: O financiamento necessário para custear o Auxílio Brasil e outros dispêndios programados, já considerando a renúncia tributária, já está previsto. O governo tem enfatizado que algumas fontes de recursos não são recorrentes. O volume maior de dividendos vindos de empresas estatais, com destaque para a Petrobras, e recursos advindos com a descotização da privatização da Eletrobras são exemplos de algumas fontes de receitas não recorrentes.

A grande dúvida que paira no mercado financeiro e na sociedade em geral está relacionada ao caráter permanente ou não dessas despesas majoradas após o segundo semestre de 2022. Será que o Auxílio Brasil continuará pagando o valor de R$ 600 nos próximos anos? A PEC aprovada permite o pagamento deste valor apenas na segunda metade deste ano. Mas há uma dúvida sobre a retirada do caráter temporário da medida para os próximos anos.

Com manutenção de valor mais alto de R$ 600, a pressão sobre os cofres públicos seria mais significativa, refletindo na dinâmica dos ativos financeiros e no sentimento econômico de forma geral.

Mas em termos de funding e operacionalização das medidas, não há grande preocupação. Há recursos não recorrentes com volume expressivo em 2022. Esses recursos poderiam ser usados para outra finalidade, como redução de dívida, e não para fazer frente a novas despesas, o que acaba sendo um sinal negativo, do ponto de vista fiscal

Conectados: Ao contrário dos anos anteriores, o pagamento do Auxílio Brasil em 2022 convive com um cenário de inflação alta. O aumento da inflação compromete o valor real de compra do benefício ou seria necessário um valor mais alto para compensar a corrosão inflacionária?

Rodolfo Margato: É inegável que a inflação pressionada corrói o poder de compra das famílias. No cenário de inflação mais baixo, mais próximo à meta deste ano, o poder de compra dos consumidores seria maior, beneficiando a economia brasileira.

Mas mesmo considerando a redução da renda real causada pela inflação alta, esse incremento do Auxílio Brasil é bem expressivo e o saldo ainda é positivo. Esse aumento, em termos líquidos, é um impulso nada desprezível em termos de massa de renda e compra das famílias.

Conectados: Para 2023, é possível analisar como será o plano de ação das 4 principais candidaturas à presidência em relação ao tema de combate à miséria, bolsas auxílio e programas de capacitação da população?

Rodolfo Margato: Por enquanto, não há sinais concretos das candidaturas que levem a prever uma mudança substancial de cenário. Temos algumas sinalizações, porém de forma ainda não consolidada, em termos de plataforma de governo ou política econômica

O ponto em comum entre os principais candidatos à presidência é a utilização de recursos para a redução da pobreza. Independentemente de quem vencer, esses programas devem continuar e não se espera uma redução brusca dessas medidas.

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Tatiana Pinheiro

Conectados: Em meados de julho, foi aprovada a PEC 15/22 que, entre outras medidas, concedeu um aumento de R$ 400 para R$ 600 reais no Auxílio Brasil, valendo a partir de agosto. A medida deve beneficiar pelo menos 20 milhões de famílias. Como o mercado recebeu essa aprovação?

Tatiana Pinheiro: A questão não são os programas, a questão é o financiamento dos gastos. O orçamento é limitado, todo aumento de gastos, se acompanhado de formas sustentáveis de custeio, são bem-vindas. O que tem impacto negativo nas expectativas é a expansão de gastos via crédito extraordinário de forma recorrente.

 

Conectados: Em declaração à imprensa, o ministro Paulo Guedes afirmou que a arrecadação extraordinária de R$ 57 bilhões este ano (decorrente de ganhos tributários e dividendos de estatais) será suficiente para financiar o custo das medidas. Apenas para o pagamento do Auxílio Brasil, calcula-se que serão destinados R$ 41 bilhões. É possível calcular se esse montante é suficiente para atender aos objetivos do governo?

Tatiana Pinheiro: De acordo com a avaliação de receitas e despesas do terceiro bimestre, a renúncia tributária custará RS 71 bilhões. Mesmo que tenha a surpresa da receita não-recorrente, o impacto do corte de gastos e aumento e criação de um programa de auxílio social levará à alta do endividamento público.

 

Conectados: É possível prever qual será o impacto do benefício no consumo das famílias e na economia como um todo? Além dos setores mais ligados ao crédito, que outros segmentos da economia brasileira podem ser beneficiados com a medida?

Tatiana Pinheiro: Redução de tributo é aumento da renda disponível para o consumo. Se somada ao aumento das transferências via a maior disponibilidade de dinheiro por meio dos auxílios sociais, essa política deve impulsionar mais os setores ligados à renda, como supermercados e serviços. Já os setores ligados ao crédito têm um fator negativo, que é a alta dos juros.

 

Conectados: Ao contrário dos anos anteriores, o pagamento do Auxílio Brasil em 2022 convive com um cenário de inflação alta. O aumento da inflação compromete o valor real de compra do benefício ou seria necessário um valor mais alto para compensar a corrosão inflacionária?

Tatiana Pinheiro: É necessário que a inflação caia, do contrário, podemos entrar em um círculo vicioso, com mais emissão de moeda na economia, que provocará mais alta na inflação, que irá corroer o poder de compra, o que obrigará a colocar mais moeda na economia e assim por diante.

 

Conectados: Para garantir os recursos que financiam o Auxílio Brasil, o governo precisou trabalhar na modificação do orçamento. Uma das ações foi a mudança no regime de pagamento de precatórios federais, que passa a ser parcelado a partir deste ano. Essa ação está sendo alvo de contestações de diversas entidades em ações no STF, lideradas pela OAB Nacional. Há algum risco de que as iniciativas do governo sejam julgadas inconstitucionais? Em caso positivo, haveria alguma alternativa?

Tatiana Pinheiro: O processo de aprovação de PEC passa por avaliação de constitucionalidade (pela comissão de Constituição e Justiça). Esta PEC foi aprovada, acho que estas novas regras estão consolidadas.

 

Conectados: Para 2023, é possível analisar como será o plano de ação das 4 principais candidaturas à presidência em relação ao tema de combate à miséria, bolsas auxílio e programas de capacitação da população?

Tatiana Pinheiro: Ainda não. Muito pouco foi revelado sobre os programas de governo. Mas é claro que esses temas devem ser o foco do novo presidente. Acredito que a viabilização disso depende da reorganização fiscal, sendo crucial que o vencedor das eleições presidenciais estabeleça uma âncora na política fiscal e dê andamento imediato na agenda de reformas estruturais, para ter como financiar um novo plano de inclusão social.