ALBERTO BUENO

Sócio-fundador da
Concordia Public Affairs Strategies

“Bolsonaro terá vantagem com a nova composição do Senado. Mas ter a maioria não significa um alinhamento automático às pautas do seu governo”

Os resultados do primeiro turno das eleições brasileiras surpreenderam o país, com uma votação expressiva de candidatos de partidos ligados à direita para o Senado, o PL conquistando a maior bancada no Congresso e um equilíbrio acirrado entre Lula e Bolsonaro, que também refletiu nas eleições para governadores.

Para Alberto Bueno, um dos sócios fundadores da Concordia (consultoria de relações públicas e governamentais), especialista em políticas públicas, estratégia de negócios, comércio internacional e relações governamentais no Brasil e no exterior e ex-assessor especial de Guilherme Leal (candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva) na campanha presidencial de 2010, os resultados foram dentro do esperado.

O Conectados procurou o consultor para fazer um breve balanço e tentar fazer algum prognóstico para 2023. Em primeiro lugar, o especialista discorda que o eleitor brasileiro é agora majoritariamente de direita. O que mudou, em sua análise, foi que ele foi mais atraído pela pauta de costumes que pela pauta social. “É o mesmo eleitor que votou em Lula e Dilma. O comportamento do brasileiro historicamente sempre foi conservador”.

Em relação aos resultados na Câmara e no Senado, Bueno reconhece que o candidato Jair Bolsonaro terá um pouco mais de facilidade ao lidar com o Parlamento que Lula. No entanto, ele adverte que isso não significa um alinhamento automático. Os senadores possuem autonomia e não necessariamente votam como seu partido votou na Câmara ou em função de serem ou não da coalizão do Governo.

Em relação à agenda econômica, Bueno acredita que, entre as reformas, a tributária é a que tem mais chances de ser votada primeiro, seja com Lula ou Bolsonaro. Caso o PT ganhe, em sua opinião, corre-se o risco de as negociações retrocederem um pouco. Com Bolsonaro, como os debates foram todos feitos em seu mandato e estão avançados, a tendência é que o trâmite para a votação seja mais rápido.

Confira abaixo mais detalhes sobre esta conversa:

1) O primeiro turno das eleições foi bastante competitivo. Qual balanço se pode fazer da campanha?

Alberto: Apesar de recursos bastante vultosos do fundo eleitoral, as peças de campanha produzidas foram mais simples do que as apresentadas em campanhas anteriores, como em 2010 ou 2014, por exemplo.

Também houve uma escassez de propostas, principalmente nas campanhas para presidente. Entre todos os candidatos, Ciro Gomes era o que mais apresentava ideias, políticas e propostas mais tangíveis. Lula e Bolsonaro adotaram uma narrativa vaga em relação aos planos de campanha, apostando mais nos ataques um ao outro e nas realizações de seus respectivos governos.

Em relação às campanhas dos estados que acompanhei, a dinâmica foi um pouco melhor em relação às propostas apresentadas, mas, mesmo assim, elas foram marcadas por muita polarização e seguiram o modelo da disputa federal.

Um ponto de destaque foi a estratégia adotada por vários partidos em direcionar mais recursos para as campanhas de candidatos a deputado federal, consolidando um fenômeno que se iniciou nas eleições de 2018, provocado pela adoção da “cláusula de desempenho”, que tem previsão de aumento gradativo a cada pleito até 2030.

O tamanho da bancada na Câmara é o fator mais importante para determinar se um partido terá acesso ao Fundo Partidário e à propaganda gratuita em rádio e TV nas próximas eleições, bem como qual será o tamanho de sua fatia no Fundo Eleitoral. Todos os partidos destinaram de 45% a 60% de recursos para as campanhas de seus deputados federais.

 

2) E quanto aos resultados? Podemos fazer uma análise de como se mostrou o eleitor brasileiro?

No âmbito geral, muitas análises disseram que o Brasil ficou mais conservador e eu tenho minhas dúvidas sobre o quanto que essa afirmação é correta. É difícil medir, mas acredito que o Brasil sempre foi um pouco conservador. O fato de Lula e Dilma terem sido eleitos não significa que o país era menos conservador. O eleitor, em boa parte dos casos, nessas eleições, foi o mesmo que participou de pleitos anteriores.

O que mudou foi a suscetibilidade do votante ao tipo de populismo: antes ele era mais suscetível a um populismo de esquerda, um populismo mais preocupado com a economia, em trazer mais benefícios e direitos para a população.

Esse eleitor agora está mais influenciado pelo discurso que remete a algumas questões relacionadas a costumes e valores. Mas não significa que o eleitor que elegeu quatro vezes presidentes do PT já não tinha um pensamento conservador nos costumes. A questão era que este eleitor não estava sendo estimulado em relação a esse pauta. Não havia candidatos populistas com um discurso tão claro.

Esse populismo dos costumes, essa expressão do conservadorismo de costumes saiu do armário na eleição passada e continua presente porque os candidatos tinham um pouco de vergonha de levantar alguns desses temas e agora não têm.

No momento que se aceita essa proposição [que o povo brasileiro se tornou mais conservador] é como se também se aceitasse que o perfil do Congresso nos anos 90 não fosse conservador, por exemplo.

O Congresso em períodos anteriores era sim conservador, só que era um conservador que se expressava de forma diferente. Mas em sua composição havia figuras da aristocracia política, representantes do meio político que não eram progressistas, que não defendiam posições muito diferentes do que hoje alguns parlamentares deixam explícito.

Esses congressistas da década de 90 tinham um pensamento igual aos de hoje, portanto eu não enxergo tanto assim essa ideia de que o eleitor brasileiro ficou mais conservador. Reforço, é uma diferença do tipo de populismo que atingiu e conquistou o eleitorado contemporâneo.

Óbvio, o país ficou mais evangélico, isso é, mais conservador, mas não é tão diferente, eu diria. Se você pensar, em termos de Congresso, elegeu-se um pouco mais de parlamentares, tanto no Senado como na Câmara, de esquerda no auge da popularidade do Lula, mas fora isso, o que se elegeu agora é muito parecido com que se elegeu em tempos anteriores. A diferença é que os mais conservadores são também mais ruidosos.

 

3) Como você avalia a formação do novo Congresso, sob o ponto de vista dos partidos, já com Câmara e Senado definidos?

Alberto: Houve uma conjuntura de fatores que favoreceram o PL pelo fato de o partido contar com bons puxadores de voto e contar com candidatos que captaram essa suscetibilidade, esse tipo de populismo, exploraram isso muito bem e conseguiram captar dos eleitores muitos votos para poucos candidatos.

Se analisarmos, 40% da bancada do PL eleita agora veio de São Paulo, Minas e Rio e essa bancada foi eleita muito em função de Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli, Nickolas Ferreira e Eduardo Pazuello. O Nickolas Ferreira conseguiu eleger a si mesmo e mais 7 deputados em Minas.

O Tiririca, puxador de voto no passado, foi o último do PL eleito por sobra, exatamente porque foi favorecido pelas novas regras e por essa enxurrada de votos que os puxadores do PL receberam. Obviamente tem o fator de que o eleitor votou nesses puxadores de voto, e que eles têm esse discurso, dito conservador, principalmente enfatizando os costumes.

Porém, não se pode deixar de dizer que as regras novas e essa circunstância deturparam um pouco o resultado e acabou parecendo que foi um tsunami do PL, conservador bolsonarista. Eu acho que não foi tanto assim. É inegável a força desse movimento, como ele capturou o eleitor, mas eu acho que, se meia dúzia dos puxadores de voto bolsonaristas não fossem tão bem, muitos deputados de outros partidos teriam conseguido se reeleger.

Alguns detalhes se fizeram muito importantes, descaracterizando um pouco esse movimento como fenômeno determinante. Se pensarmos no DF, o Reguffe fez uma bagunça na política do local ao não concorrer ao governo na eleição anterior, abrindo espaço para Ibanês, depois se embananou no Senado e acabou não concorrendo. Sobraram então duas candidatas bolsonaristas, ou seja, independente de quem ganhasse, seria alguém alinhado ao presidente.

Agora se você pegar, por exemplo, no Sudeste, havia outras duas disputas. Uma envolvia o Magno Malta, que foi apertada, com a Rose de Freitas, e o astronauta Pontes. Ou seja, são detalhes que talvez tirariam três senadores do PL e diminuiriam esse impacto. Por fim, a bancada do PL, que seria de 15 senadores, acabaria somando 12 ou 13, muito próxima às bancadas do PSD, União Brasil e MDB.

Mas reforço, não estou desmerecendo essa onda, não quero apenas exagerar em sua importância. Eu acho que era só o eleitor ter votado um pouco mais aqui ou ali em uma dessas disputas mais acirradas que a gente teria um quadro já razoavelmente diferente, não tão expressivo, dessa visão.

 

4) Muito tem se falado de que essa composição dá força ao presidente Bolsonaro numa eventual reeleição? Você concorda?

Não concordo com quem faz a leitura de que dois terços ou metade do Senado será bolsonarista. Não é porque o parlamentar é do União Brasil que ele é bolsonarista, não é porque ele é do PP que é bolsonarista. Eu não vejo, por exemplo, Esperidião Amin votando o impeachment de um ministro do Supremo na empolgação bolsonarista e ele é um senador do PP.  Os senadores são bem independentes no Senado.

No entanto, sim, aumentou e melhorou a força do governo Bolsonaro no Senado. Caso seja reeleito, ele contará com uma situação mais confortável do que tem hoje. No primeiro governo várias propostas foram aprovadas na Câmara, para depois serem barradas no Senado. No entanto, isso não quer dizer que ele terá uma maioria que lhe permita aprovar o que quiser no Senado.

E nos estados, ocorre a mesma coisa. Analisando as eleições para governador, Mendes, Zema e Caiado sendo reeleitos, e assim alguns analistas dizem “haverá uma maioria de governadores bolsonaristas.” Também não é verdade, Além de 6 governadores aliados eleitos, pode-se esperar que Lula teria uma boa relação com Caiado, por exemplo. Não acredito que ele optasse por antagonizar Lula, não é interessante para nenhum dos lados.

Isso não quer dizer que não haverá governadores de oposição caso Lula seja eleito.

 

5) Paralelamente, num eventual governo Lula, você acha que a situação no Congresso é reversível? Há chance de diminuir essa diferença inicial?

Alberto: Acredito que o governo do PT nasce fraco e por vários fatores: Lula está mais velho, cansado, já foi presidente duas vezes, está aqui quase que no sacrifício e em uma saga para limpar seu nome. Então, já é um presidente diferente do Lula de 2002, em termos de popularidade e força política.

Na Câmara, por exemplo, a Concordia estima que ele teria aproximadamente 27% de uma base sólida e mais 16% ou 17%, formado pelo MDB e PSD, a camada do centrão mais próximo dele. Com isso, ele chega próximo de 50% e seria capaz de, talvez, juntar mais alguns deputados do União Brasil, ex-DEM, ex-PSL, para conseguir uma maioria simples. Lula enfrentará dificuldades e precisará ser muito habilidoso, quem sabe até chamando Romero Jucá para fazer a articulação política de seu governo.

A formação da oposição ao governo Lula ou um centrão mais independente que só vai votar com o governo Lula quando ele realmente quiser vai beirar os 40%, temos ainda uma faixa do que classificamos como independentes e antilulistas, que seriam boa parte do PSDB, boa parte do Podemos, e os 4 deputados do NOVO, mas que somam apenas 10%a 12% juntos, que dificilmente votariam com o governo em muitas questões.

Alguns analistas políticos mais apaixonados afirmam que o Congresso será fascista e tiraria o Lula em 6 meses com um impeachment.  Assim como ocorreu com Bolsonaro, isso vai ser muito difícil de acontecer. Tanto Lula, quanto Bolsonaro, se eleitos, vão ter um colchão anti-impeachment garantido. Os dois vão ter uma base sólida o suficiente para impedir pelo menos um impeachment.

 

6) Podemos dizer então que a situação do Lula seria muito parecida com o começo do governo Bolsonaro? Ele teria que construir pontes para poder se estabelecer?

Alberto: A diferença que eu apontaria é que o governo Bolsonaro nasceu com essa dificuldade, só que tinha um centrão grande o suficiente disposto a apoiá-lo. O centrão agora, que é até maior do que na legislatura passada, conta com uma parcela que é menos disposta a apoiar Lula, uma parcela que vai ser mais resistente. Mas Lula tem a vantagem de ser um político habilidoso que sabe negociar, o que Bolsonaro não é.

 

7) Ainda no mesmo assunto, mas sob ponto de vista do executivo, muitos analistas têm dito que essa composição “mais bolsonarista”, poderia levar ao presidente arroubos ainda mais autoritários, aprovações polêmicas, etc. Você acredita nessa possibilidade?

Alberto: Como eu disse, eu acho que no Senado é difícil, e Bolsonaro não contaria com maioria suficiente para, por exemplo, tentar o impeachment de um ministro do Supremo. Agora, na Câmara ainda não é claro se ele teria maioria constitucional de 2/3 para aprovar emendas constitucionais e tentar impor mudanças mais polêmicas

Se reeleito, Bolsonaro terá uma maioria mais confortável do que ele tem hoje para aprovar projetos. No Senado, no entanto, ele contaria com essa facilidade apenas para aprovar projetos com maioria simples, tendo ainda alguma dificuldade para aprovar projetos polêmicos ou que requeiram maior quórum.

Além de não ter tanta maioria no Congresso e de ter um Supremo Tribunal Federal contrário, ficou claro nas eleições que o país está dividido, então praticamente 50% do país não o apoia.

Desta forma, há uma clara resistência a esses arroubos autoritários, ele pode continuar esbravejando e fazendo falas agressivas, como sempre fez, mas se ele efetivamente insistir, vai sofrer resistência. O Congresso não é tão favorável e a mídia e a sociedade civil vão acabar se opondo, o que é uma força razoável e que deixou claro que ele não será um presidente de uma maioria esmagadora, se for reeleito.

 

8) Partindo para a economia, em relação às reformas estruturantes, qual é a sua opinião em relação a um governo Bolsonaro ou eventual governo Lula, qual o caminho seria mais favorável para esse avanço? E esse Congresso vai se ater a essas questões tão importantes para a economia?

Alberto: Se analisarmos os últimos quatro anos, a agenda do Congresso foi muito mais ditada pelos parlamentares, por suas lideranças, Maia, Lira, Pacheco, do que pelo Executivo. O governo ainda tem o poder de enviar medidas provisórias, mas Bolsonaro foi o presidente com pior taxa de conversão (aprovação) de medidas provisórias, e eu diria que boa parte das reformas foi muito mais estimulada pelos parlamentares, por suas lideranças, do que pelo governo.

Em vários momentos constatou-se que o governo Bolsonaro ficou um pouco perdido. A reforma tributária por exemplo, não foi aprovada, talvez, mais por incompetência do governo, porque chegou-se muito perto da aprovação e ela não aconteceu, essa incompetência foi política. É claro que liderar essa discussão, que já dura 20 anos, é algo complexo, mas é inegável que se chegou muito próximo da aprovação de uma reforma significativa, mesmo que não fosse completa.

Em uma reeleição de Bolsonaro, essa aprovação da reforma tributária tende a ser mais fácil, principalmente se houver a reeleição de Lira. Isso porque a proposta já está bem encaminhada, e não haveria necessidade de se reabrir a discussão. Obviamente que os mesmos entraves continuam, mas algumas das partes o Congresso aprovaria.

Na eventual eleição do governo Lula, corre-se o risco de se querer reabrir a Caixa de Pandora, rediscutir certos pontos da reforma tributária, como a sua progressividade, o que atrapalharia demais algo que já está, no meu ponto de vista, muito próximo de se aprovar.

E de novo: por ser um governo que nasce fraco, que não tem maioria, ele não vai conseguir impor muitas modificações na reforma tributária. Vai mais atrapalhar que ajudar, apesar de ele ser mais politicamente habilidoso e talvez se engajasse mais do que o governo Bolsonaro nas aprovações de alguns temas.

Mas reforço: o Congresso vai liderar essas agendas muito mais do que o Executivo.

 

9) Ainda em relação à condução da economia, de uma forma geral, qual você acha que seria o cenário num eventual segundo mandato do Bolsonaro e como que você imagina isso também num eventual governo Lula? Quais são as principais diferenças entre uma possibilidade e outra?

Alberto: Apesar de haver ainda um certo grau de incerteza, diferentemente de outras eleições, a gente conhece bem como cada um dos dois pensa e o que seus governos fizeram em relação à economia.

Eu acho que o mercado exagera um pouco nesse medo do Lula, por exemplo. Sabemos que ele não vai implementar uma política econômica radicalmente socialista, digamos assim. Já teve a oportunidade e não o fez, não vejo porque faria desta vez. Porém, ainda perdura um certo grau de incerteza sobre que tipo de linha ele pretende seguir. Eu chutaria que ele vai acabar, novamente, tendendo para o centro, para uma política parecida aos outros dois governos dele, mais do que é parecido com os governos da Dilma em termos de política econômica. Em outras palavras, um eventual governo Lula tende a ficar mais atrelado aos pilares neoliberais, digamos assim, do que ao desenvolvimentismo.

Acredito que ambos os candidatos terão problemas fiscais: Bolsonaro acabou de anunciar que vai pensar no 13º para mulheres no Auxílio Brasil, o que é mais um gasto imprevisto. Acho que do ponto de vista fiscal, é capaz deles serem muito parecidos, ambos tendem a acabar gastando mais do que muitos economistas recomendam, a serem mais irresponsáveis do ponto de vista fiscal.

Um segundo governo Bolsonaro teria um desafio, representado pela figura de Paulo Guedes, que também está em uma encruzilhada, um pouco desgastado com o mercado, com a sociedade em geral e com uma certa dificuldade de manejar a economia do ponto de vista macroeconômico.

Ele costuma apresentar suas ideias, propôs várias mudanças em termos de privatização, reformas estruturantes, adesão à OCDE, mas na hora que você pensa em macroeconomia, inflação, estímulo ao crescimento, gasto público e outras variáveis, ele parece um pouco mais perdido, tendo mais dificuldade de lidar com esse cenário internacional adverso, não conseguindo propor uma boa solução para a questão dos combustíveis. A permanência de Guedes no Governo também não é uma certeza. Enfim, também tenho algumas dúvidas de como seria a condução da economia em um segundo governo Bolsonaro.

Outro ponto importante a lembrar é a autonomia do Banco Central e sua independência do Executivo. O Banco Central continua o mesmo, pelo menos por mais alguns anos, o que é um fator positivo. Independente de se concordar ou não com a política monetária, essa independência favorece a continuidade, livre de interferência política.

 

10) Agora quanto as pesquisas, você acha que elas tendem realmente a ficarem mais desacreditadas e como é que você avalia toda essa confusão?

Alberto: A percepção realmente ficou muito prejudicada. De um lado, bolsonaristas tendo uma descrença grande, alimentada pelas teorias de conspiração e, do outro, entre os não-bolsonaristas um descontentamento com o erro que ocorreu. Apesar de os institutos de pesquisa terem acertado a cotação recebida por Lula, eles erraram fortemente em relação ao Bolsonaro.

Certamente, a ausência do censo demográfico mais atualizado (o último é de 2010) prejudicou o trabalho dos pesquisadores, por isso considero muito forte o discurso de que os institutos de pesquisas terão que “se reinventar“. Não é questão de se reinventar, mas é uma questão de ter um censo para calibrar melhor a amostra, fazer ajustes e algumas melhorias no modelo, mas em geral eu não acho que as pesquisas erraram tanto.

Se você olhar para as disputas estaduais, na maioria eles acertaram. Onde não houve acerto, as pesquisas captaram a tendência, que é algo a se considerar sempre. A vontade do eleitor às vezes muda muito rápido, então, se as pesquisas conseguirem captar as tendências, já está bom.

Na disputa na Bahia”, por exemplo, muitas pesquisas captaram a alta de Jerônimo e a queda de ACM Neto na reta final; outras conseguiram captar a queda de Haddad e o aumento de Tarcísio. Não acertaram o resultado final a tempo, mas detectaram a tendência.

Para senador, sempre foi assim: o eleitor decide em quem votar muito em cima da hora. A Concordia analisa as pesquisas para o Senado da seguinte forma: se as pesquisas indicam uma vantagem muito grande, como ocorreu com Camilo Santana, Flavio Dino e Renan Filho, nós projetamos que dificilmente esses senadores não serão eleitos, caso contrário as pesquisas meramente indicam quem são os dois ou três candidatos mais competitivos.

Reforço: eu confio na qualidade e imparcialidade da maioria das pesquisas publicadas. Apesar da reputação manchada frente à opinião pública após as críticas recebidas pelos erros cometidos, as quais foram tão exageradas quanto a cobertura que as pesquisas receberam da mídia antes do dia 02 de outubro, acredito que elas conseguem, com melhores dados e alguma reforma entregar bons resultados a partir do ano que vem e reconquistar credibilidade.

 

11) Essa descrença instalada pode fazer com que os eleitores evitem responder pesquisas? E a tecnologia, pode mudar a forma com que as pesquisas são feitas? Estamos voando no escuro nesse segundo turno?

Alberto: Este risco existe, ainda mais com alguns políticos recomendando que eleitores de Bolsonaro não as respondam. Mas não acredito que estejamos voando no escuro. As pesquisas estão indicando uma disputa acirrada, com resultado quase empatado na margem de erro.

Mas precisamos lembrar que esta é uma eleição inédita: um ex-presidente contra um presidente disputando a reeleição é algo que nunca aconteceu no Brasil e na maioria das democracias ocidentais, então é uma eleição extremamente atípica, na qual os eleitores conhecem bem os dois candidatos e também lhe conferem altos índices de rejeição.

 

12) As novas formas de campanha que ganharam força em 2018, estão mais sedimentadas agora? Por exemplo, no pleito passado era uma novidade o Bolsonaro ter sido eleito com a força das redes sociais e encaramos um crescimento da questão das fake news. Como você vê isso em 2022?

Alberto: Se falarmos de fake news, a campanha da Dilma fez muita fake news contra a Marina Silva, por exemplo, então já era algo que existia em 2014. E a atuação do TSE no combate às fake news pode ser considerada boa, mesmo havendo críticas de que as decisões da Corte atentariam contra a liberdade de expressão. Com esse trabalho, o TSE conseguiu segurar um pouco essa terra-sem-lei, de usar o poder econômico e a popularidade para desacreditar e gerar mentiras contra outros candidatos. Neste ponto, como Democracia, conseguimos evoluir.

Apesar de marcada pela habilidade de Bolsonaro usar as mídias sociais, a eleição de 2018 foi bastante atípica por conta de tudo o que aconteceu (prisão do Lula e facada em Bolsonaro), e essa de agora de 2022 também foi bastante atípica em função dos dois candidatos que dominaram a disputa.

Em 2026, podemos esperar que, talvez, seja uma eleição mais “normal”, com candidatos que não são ex-presidentes, não termos atentados à vida de candidatos, e termos menos polarização. De qualquer forma, fazer campanha por meio de mídia social já vai ter virado o novo normal, e todos estarão acostumados e serão capazes de fazer.