A FORÇA DO DIÁLOGO

Hércules Antônio da Silva Souza
Pesquisador – Tecnologista em Metrologia e Qualidade do INMETRO

Importante órgão que visa oferecer parâmetros técnicos e científicos a diversos tipos de produtos em nosso país, o Inmetro, Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, também participou desta edição especial de aniversário do Conectados. Em entrevista, Hércules Antônio da Silva Souza, pesquisador-Tecnologista em Metrologia e Qualidade do instituto, falou sobre o importante diálogo entre a Eletros e o Inmetro, o papel do órgão em resguardar a qualidade e segurança dos produtos aos consumidores e como a Eletros tem atuado para garantir que tenhamos produtos nacionais de qualidade em linha com aquilo que vem sendo produzido de mais inovador e sustentável no mundo todo. Confira:

Conectados: Qual foi sua trajetória profissional até chegar ao Inmetro? Qual a importância da Divet na vida dos brasileiros e na melhoria da indústria?

Hércules: Sou formado em Física com habilitação em Física Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também fiz meu doutorado em Biofísica com período sanduíche no Albert Einstein College of Medicine – Bronx/NY- USA. Trabalhei por 18 anos na UFRJ com ensino e pesquisa até que, em 2018, fui aprovado no concurso para o Inmetro como Pesquisador-Tecnologista em Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Nestes 4 anos, já atuei na chefia da Divisão de Vigilância de mercado (Divig) e, desde junho de 2020, atuo como chefe da Divisão de Verificação e Estudos Técnicos Científicos (Divet). De forma bem objetiva, a Divet existe para resolver problemas regulatórios de mercado relativos à segurança, saúde, meio-ambiente e práticas enganosas de comércio, objetivando gerar confiança, qualidade e competitividade aos produtos e serviços regulamentados. O objetivo da Divet é contribuir para que os produtos e serviços ofertados no Brasil tenham requisitos mínimos de segurança, proporcionem competitividade justa no mercado e estejam alinhados às práticas de comércios internacionais.


Conectados: Qual sua visão sobre a importância do setor eletroeletrônico nacional e de se ter uma indústria tecnológica e inovadora no país?  

Hércules: A indústria do setor eletroeletrônico tem importância crucial para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, sem a menor dúvida. Deste modo, a “preservação” e ampliação de uma indústria tecnológica e inovadora ocupam posição estratégica e central no desenvolvimento do país. Com o objetivo de ilustrar a importância deste segmento na vida das pessoas, é possível citar a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, que revela que existem atualmente no país cerca de 250 milhões de dispositivos móveis em operação; 46% dos domicílios possuem computador e destes, 41% possuem acesso à internet. Se extrapolarmos para o conceito da internet das coisas, este impacto se torna ainda maior e quase incalculável. Isto sem contar os vários efeitos econômicos e sociais deste segmento, como faturamento do setor e seus impactos sociais, empregos gerados, produtos oferecidos ao consumidor com maior incorporação tecnológica, entre outros.

Importante ressaltar que, como todos os demais segmentos industriais, o setor eletroeletrônico sofre também os impactos das ações por parte do Estado e dos movimentos do mercado, tanto interno como do mercado internacional. Neste sentido, o Inmetro, por meio da Portaria 30/2022 que aprova o modelo regulatório do Instituto, tem considerado como uma das premissas importantes para suas ações regulatórias o seguinte: “a atividade regulatória é um instrumento de grande importância à proteção da sociedade, à inovação e à competitividade da indústria nacional, contribuindo para o crescimento econômico e isonômico do país”. Neste sentido, o modelo regulatório que está em fase de implementação visa assegurar um mercado seguro, isonômico e dinâmico, que é flexível e acolhe a inovação, promove a competitividade e potencializa a digitalização.

Conectados: O quanto é importante o diálogo entre o Inmetro e o setor privado para a criação de novas normas técnicas efetivas, que alinhem as necessidades do consumidor com a capacidade produtiva da indústria em corresponder a esses anseios?

Hércules: O desafio do modelo regulatório do Inmetro é aprofundar este diálogo adotando as melhores práticas internacionais e, ao mesmo tempo, encontrar as soluções para os problemas regulatórios que contemplem os pontos apresentados: as necessidades do consumidor, a capacidade produtiva da indústria, sem deixar de acolher a inovação e considerar os aspectos relacionados com a eficiência energética, por exemplo.

Na prática, o diálogo vem sendo perseguido por parte do Inmetro com uma série de iniciativas, como o próprio rito regulatório que inclui a realização de consultas públicas e tomadas de subsídios, a oferta de cursos envolvendo a Análise de Impacto Regulatório (AIR), a realização de painéis setoriais, reuniões frequentes com partes interessadas, visitas técnicas para coleta de subsídios, a parceria entre o Inmetro e representantes do setor produtivo para o trabalho de consolidação dos atos normativos em atendimento ao decreto 10139/2019 e, mais recentemente, visita à zona franca de Manaus por parte da equipe da Divet, que possibilitou a troca de informações sobre eficiência energética e energias renováveis com fabricantes de ar condicionado, fornos micro-ondas e televisores, tendo em vista a coleta de subsídios e insumos para a elaboração do marco legal do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE).

Conectados: Qual a importância da Eletros na mediação deste diálogo? A associação contribui para a harmonia entre instituto e empresas?

Hércules: A Eletros exerce papel chave neste diálogo. Acrescentaria que a associação não apenas contribui para a harmonia, mas permite também que o diálogo possa antecipar de forma representativa as preocupações e anseios do setor como um todo. Importante ressaltar que as decisões tomadas por meio das medidas regulatórias no âmbito da competência legal do Inmetro precisam estar atentas ao seguinte tripé: 1) o consumidor ou a sociedade em geral; 2) os objetivos legais da Instituição; e, não menos importante, 3) o setor produtivo. Neste sentido, a Eletros contribui de forma importante para o estabelecimento do diálogo adequado com o setor produtivo por ela representado e, ao mesmo tempo, permite que as medidas regulatórias a serem adotadas considerem e antecipem as melhores soluções para os requisitos exigidos. Além disso, permite também oferecer a previsibilidade necessária para que o setor produtivo possa se organizar de forma adequada.

 

Conectados: Recentemente, tivemos mudanças no PBE de geladeiras que foram frutos de alguns desses amplos debates, o que esperar dessas alterações?

Hércules: As mudanças inseridas para o PBE de refrigeradores domésticos e assemelhados por meio da Portaria Inmetro nº 332, de 2 de agosto de 2021, trouxe algumas novidades importantes. Em linhas gerais, as alterações são as seguintes:

1) A introdução de subclasses que já passou a vigorar desde junho de 2022 e vem permitindo aos consumidores diferenciarem no mercado produtos até 30% mais eficientes que o atual A;

2) A expectativa é que fornecedores já introduzam melhorias e aumentem a quantidade de modelos disponíveis e mais eficientes, dando um “upgrade” nos modelos A para A+, A++ ou A+++;

3) Outra alteração é que a partir de 2025, retornaremos com a etiqueta tradicional de A a F, mas também introduziremos a versão mais atual da IEC (versão 2015, emenda 2020). Deste modo, o “novo” A será ainda mais rigoroso que o atual A+++, diferenciando ainda mais os produtos oferecidos no mercado e estimulando uma melhoria ainda maior nos produtos quanto à eficiência energética;

4) Vale lembrar ainda que a adoção da versão mais atual da norma também significa a compatibilidade com padrões internacionais e a facilitação do desenvolvimento de produtos globais e o comércio exterior (no caso de exportação e mesmo de importação);

5) Por fim, para 2030, os níveis de eficiência energética de refrigeradores se tornarão ainda mais rigorosos, nos moldes sugeridos pela U4E (United for Efficiency), guia das Nações Unidas que traz regras mais rígidas de eficiência energética.

Com isso, ficam completas todas as fases de melhorias previstas, resultando numa economia até 2035 de mais de R$ 30 bilhões na conta de luz dos brasileiros. O prazo para implementação dessa última fase do aperfeiçoamento, permite à indústria nacional a previsibilidade necessária para planejar os investimentos mais estruturais de mudança na plataforma de produção.

Todo este trabalho e os resultados obtidos devem ser considerados como um excelente exemplo do diálogo entre o Inmetro e o setor produtivo, em especial a Eletros, na busca incansável de ponderar as necessidades ambientais, sociais e econômicas, fundamentais para a sustentabilidade do pacote de melhoria do aperfeiçoamento do PBE de geladeiras.

 

Conectados: O que podemos esperar na evolução da relação entre Inmetro, Eletros e Indústria de eletroeletrônicos?

Hércules: A expectativa do Inmetro é de aprofundamento da relação entre o Instituto, Eletros e a Indústria de eletroeletrônicos. No meu ponto de vista, o aprofundamento deverá acontecer considerando, em especial, algumas iniciativas importantes e que estão relacionadas com os desafios de implementação do Modelo Regulatório do Inmetro.

O diagnóstico atual tem mostrado que alguns dos nossos regulamentos são muito prescritivos e minuciosos, dificultando o seu atendimento por parte das empresas, bem como a sua manutenção e atualização. Além disso, a regulamentação vigente em sua maioria utiliza a lógica objeto a objeto, resultando em número grande de regulamentos a serem atendidos pelas empresas e geridos pelo Inmetro. Acrescenta-se ainda que, os mecanismos pré-mercado apresentam elevado grau de burocracia para uma quantidade importante de produtos e serviços (como a anuência para importações e o registro de objetos). Por outro lado, o Inmetro e, em geral, a administração pública federal vêm enfrentando a crescente indisponibilidade de recursos humanos para desenvolver as suas atividades. Parte destes problemas vem sendo resolvidos com o atendimento aos comandos dos decretos que regulamentam a Lei de Liberdade Econômica. Vale ressaltar que o Inmetro vem implementando com êxito a consolidação/revisão dos atos normativos (Decreto 10139/2019), a análise de risco para os atos públicos de liberação (Decreto 10178/2019), bem como a implementação de Análise de Impacto Regulatório (AIR), inclusive com a oferta de cursos de capacitação para o setor produtivo em atendimento ao decreto 10411/2020.

O cenário como um todo é bastante desafiador e, várias partes interessadas (sociedade, consumidores e o próprio setor produtivo) têm demonstrado a preocupação de que o foco do Modelo regulatório do Inmetro deve estar também voltado para o pós-mercado. Neste sentido, temos aqui uma excelente oportunidade para que as iniciativas de acompanhamento de mercado/ fiscalização sejam efetuadas com a participação efetiva da sociedade civil, incluindo as entidades setoriais (Eletros, por exemplo) ou especializadas, outros órgãos de governo e autoridades regulatórias e parcerias. Penso que esta seja uma evolução importante na relação entre o Inmetro com a Eletros/setor produtivo a ser considerada e perseguida pelos próximos anos.