MARCOS BORGES

Gerente Executivo de Assuntos Legislativos da
Confederação Nacional da Indústria (CNI)

“O Congresso assumiu um protagonismo determinante nos últimos anos”

 

O Conectados conversou com Marcos Borges, Gerente Executivo de Assuntos Legislativos da Confederação Nacional da Indústria (CNI), profissional que atua há mais de 30 anos na defesa de interesses no legislativo e executivo, dos quais cerca de 22 anos atuou como Gerente de Relações das Institucionais Confederação Nacional das Instituições Financeiras.

Com olhar apurado aos movimentos políticos e tendo acompanhado de perto as reformas recentes no sistema eleitoral brasileiro, Marcos traz um olhar sobre o impacto das novas regras no resultado do pleito em primeiro turno e a nova composição do Congresso Nacional.

O analista destaca as mudanças nas duas casas legislativas “sem o viés apolítico de 2018”, apostando que esta composição, se aliando experiência à renovação, pode trazer bons frutos ao país. Marcos exalta, ainda, o aumento de mulheres, indígenas e uma maior pluralidade na Câmara do Deputados, fato que pode render bons debates nos interesses da população.

Por fim, voltando seu olhar para o futuro e os interesses da indústria, demonstra otimismo ao reforçar que acredita no diálogo e interesse do novo legislativo nas reformas essenciais para a retomada no crescimento da economia, destacando também que a CNI tem pautas junto aos dois candidatos à presidência, demonstrando a voluntariedade do setor em criar pontes e diminuir barreiras nos próximos quatro anos.

Confira na íntegra a conversa:

1) As pequenas reformas políticas que vêm acontecendo desde 2017 tiveram impacto efetivo na composição do Congresso, tanto em relação aos candidatos eleitos quanto em relação aos partidos?

Marcos: A Reforma Política de 2017 criou cláusulas de desempenho progressivas até 2030, tais como quantidade de votos válidos para deputado estadual em 9 estados ou eleição de número mínimo de deputados, além de piso mínimo no quociente eleitoral, para evitar a entrada de deputados sem expressividade e a cláusula de barreira.

Percebemos o progressivo efeito dessas mudanças. Neste ano, alguns partidos se adaptaram melhor a essas novas regras e, apostaram em candidatos com potencial de votação mais significativo, tiveram mais sucesso e formaram bancadas mais fortes, enquanto outros não obtiveram resultados satisfatórios, o que pode comprometer sua performance e a realização de suas agendas no Legislativo.

Esse quadro, produto do processo eleitoral, é o que fundamenta a tendência de arranjos entre os partidos e menções a potenciais fusões de partidos, bem como a formação de blocos partidários.

 

2) Qual é o principal objetivo do estabelecimento das cláusulas de barreira e de desempenho? 

Marcos: Desde sua criação, as cláusulas de desempenho e de barreira têm como objetivo reduzir o número de partidos, o que facilita a governabilidade do Executivo, já que não há mais a necessidade de se discutir um projeto com “três dezenas” de partidos diferentes.

Foi possível perceber que, nos resultados de 2022, já houve mudanças, que terão prosseguimento nas próximas eleições. Houve uma redução no número de partidos com assento na Câmara dos Deputados e no Senado e as siglas mais preparadas compuseram bancadas mais expressivas, como o PL, por exemplo.

 

3) Quantos partidos superaram a cláusula de barreira nas eleições de 2022? Entre os partidos mais conhecidos, quais os que ficaram de fora?

Marcos: Apenas 13 dos 32 partidos políticos superaram a cláusula de barreira nesta eleição. Seis partidos elegeram representantes para a Câmara, mas não conseguiram superar a cláusula de barreira: PSC, Patriota, Solidariedade, Novo, PTB e Pros. Essas siglas não terão acesso a recursos de financiamento eleitoral na próxima eleição, entre eles, a tempo gratuito de televisão e rádio, nem poderão pleitear a Presidência da Câmara.

A estratégia de alguns partidos foi reservar valores mais altos do fundo eleitoral para priorizar a eleição de um número maior de deputados, e deixar de lançar candidaturas para outros cargos. Os partidos que indicaram candidatos a cargos no Executivo investiram recursos mais demarcados.

Porém, nem todas as legendas perceberam esse movimento. Alguns partidos não se prepararam, muito porque não previram que os resultados seriam tão drásticos. A atuação dos puxadores de votos, que conseguiam eleger a si próprios e outros candidatos do partido ficou limitada.

Houve casos em que o candidato mais votado levou quatro outros com ele e casos em que o candidato mais bem votado em seu estado ficou de fora porque o partido estava sozinho ou porque ele era o único candidato, sem outros para somar votos e atingir o limite mínimo do coeficiente.

 

4) As cláusulas de barreiras foram criadas justamente para diminuir esses casos, não é?

Marcos: A conclusão é que a eficiência ocorre quando os partidos montam um grupo de candidatos que juntos se complementem, somando um puxador de votos que garanta uma eleição expressiva própria e de colegas candidatos que atingiram o mínimo do coeficiente eleitoral. É preciso ter o candidato que faça uma grande votação e junto dele outros que façam no mínimo uma votação que atinja o coeficiente, uma harmonia.

O resultado é a construção de um equilíbrio entre candidatos com votações expressivas, além de haver redução de partidos com baixa representação, e a redução da presença de partidos em todos os estados da federação, já que muitos deles optaram por lançar candidatos em uma determinada região, onde teriam mais probabilidade de vitória, por exemplo.

 

5) Pode se dizer que os resultados do primeiro turno das eleições de 2022 representam um avanço para o aperfeiçoamento do Congresso?

Marcos: A conclusão é que a regra eleitoral está se aprimorando e veremos no futuro novos modelos de organização entre os partidos, já que os candidatos que não atingiram o mínimo na cláusula de barreira poderão trocar de legenda sem punições.

Essas são mudanças que responderam a uma demanda da sociedade, pois houve no passado muitas reclamações por causa dos excessos dos partidos, como acusações de existência de legendas de aluguel. Com essas mudanças, creio que o sistema foi lapidado.

São mudanças graduais, que começaram em 2017 e só irão terminar em 2030, ou seja, dando tempo hábil para todas as adaptações e preparações necessárias.

 

6) Em uma avaliação geral, como você vê a nova composição das duas casas legislativas? Em relação a mudanças, perfis, força de partidos e bancadas.

Marcos: Acredito que a princípio esperava-se um índice de renovação no congresso menor que em 2018 e isso não aconteceu. Na verdade, a renovação atingiu uma média de 40% a 45%, que foi o ocorrido na maioria das eleições passadas. Houve uma precipitação de análise até por conta dessas mudanças nas regras eleitorais que falamos antes.

Agora sob a ótica de direcionamento, a tendência ao centro ou centro-direita se confirmou e era esperada, pois no mandato que se encerra em 2022, um congresso com perfil mais reformista e liberal na pauta econômica e um pouco mais conservador nas pautas de costumes já indicavam essa orientação.

O presidente Jair Bolsonaro conseguiu eleger uma bancada forte, onde aqueles que o apoiaram lograram sucesso, principalmente os nomes mais conhecidos. Diversamente, aqueles que o abandonaram tiveram votações bem pouco prosperas.

Excetuando o ex-juiz Sérgio Moro, que conquistou uma vaga ao Senado, a maior parte daqueles que saíram do barco do bolsonarismo tiveram insucessos na eleição, o que mostra sim que o congresso tem esse viés mais centro-direita, mais liberal na economia e mais conservador nas pautas de costumes.

 

7) Em relação aos partidos, qual foi a legenda mais bem-sucedida? Como a nova composição irá se comportar nos próximos anos?

Marcos: Pelo ponto de vista dos partidos, o PL foi o que mais reelegeu, com 76% de reeleitos em relação a bancada de 2022.

O PL passará a ter a maior bancada do Senado, com potencialmente 14 eleitos, e podendo pleitear a Presidência da Casa.

Relevante considerar, todavia, potenciais fusões, como a possível fusão do União e do PP, que somam 16 senadores.

Destaque-se que, no âmbito do Senado, as maiores bancadas partidárias de centro e de direita (PL, PSD, UNIÃO, MDB, PP) somam 49 senadores – equivalente ao quórum necessário para aprovação de PEC.

O PL também foi o grande vencedor das eleições para a Câmara dos Deputados. Regimentalmente, caberia ao PL o pleito pela Presidência da Câmara, o que pode ser prejudicado pela eventual fusão do União Brasil e o PP, que juntos podem formar a maior bancada, com 106 deputados.

Observamos também um ligeiro crescimento do PT, que não representa incremento de cadeiras suficientes para alterar o perfil de participação do partido na Casa.

A grande liderança surgida na esquerda é Guilherme Boulos, com uma votação pessoal muito expressiva e com o crescimento de seu partido. Boulos se tornará uma voz importante a ser ouvida, independentemente dos resultados do segundo turno.

Penso que o Partido dos Trabalhadores precisa rever a forma de se comunicar com suas bases diante dessa pouca renovação em seu quadro.

 

8) Observou-se uma renovação na Câmara dos deputados e no Senado com os resultados definidos no domingo, mas com a volta de políticos conhecidos e de bagagem. Esse “congresso mais experiente” tende a repercutir de forma positiva na complexidade e agilidade dos debates e votações das casas?

Marcos: Não há como afirmar se temos um cenário bom ou ruim.  a renovação é boa, mas a experiência também ajuda. Essa renovação de fato aconteceu conforme a pergunta, o que se deu mais pela troca de parlamentares, como, por exemplo, o caso de Teresa Cristina, que era deputada e conquistou uma vaga no Senado, ou pela volta de políticos de carreira que estavam sem cargo.

No Senado temos um detalhe interessante: dos 27 nomes eleitos para o Senado em 2023, apenas Jaime Bagattoli (PL/RO) nunca foi ligado ao Legislativo ou Executivo em cargos anteriores. O futuro Senador é empresário do setor do agronegócio.

Já na Câmara, tivemos o segundo maior número de novos deputados na série histórica, são 227 candidatos eleitos que exercerão o seu primeiro mandato. E isso não é pouco.

A renovação se deu nesses moldes, mas não é possível afirmar que não haverá novas movimentações nas duas casas. O que mudou principalmente foi o esgotamento do viés não político que vimos em 2018. A política não é mais colocada na berlinda, antigos políticos voltaram ao Parlamento ou mudaram de uma casa para outra. Então é um congresso com mais visão política.

Ainda assim, também temos novos entrantes que não podem ser deixados de lado, como a bancada feminina que cresceu de forma bastante interessante e isso é muito bom. São 91 mulheres com mandato a partir de 2023, cinco indígenas, sendo quatro de esquerda e um de direita, duas mulheres trans, o que demonstra que há uma modernização e uma linha muito interessante que aliada a esta experiência dita antes, promoverá debates muito valiosos.

 

9) Num cenário de vitória de Bolsonaro, as urnas deram mais força aos partidos que hoje apoiam o atual presidente. Qual seria o grande desafio de governabilidade do governo caso se confirme essa hipótese? E em um possível governo Lula, como se poderá desenhar a governabilidade na Câmara e no Senado?

Marcos: Acredito que o fortalecimento das prerrogativas do congresso nacional fará com que ele tenha uma influência determinante em qualquer um dos dois governos.

O congresso assumiu nos últimos anos um protagonismo nas decisões do país e isso tende a não ser revertido no curto prazo.

Como o Congresso Nacional, considerada a composição a partir desta eleição, tem um perfil mais próximo daquilo que defende o Bolsonaro, isso tende a dar ligeira vantagem ao atual Presidente.

Mas, por exemplo, ao passo que o licenciamento ambiental, que é um projeto que já tramita há alguns anos, tem mais chance de caminhar num governo Bolsonaro do que num governo Lula, pautas como a armamentista talvez não tenham tantas chances no Congresso, que já demonstrou ver o assunto esgotado pelo Executivo dentro de suas possibilidades.

Lula, por outro lado, terá que dar mais indicações ao centro, para aprovar uma eventual “contrarreforma trabalhista”, mas pode ter facilidades em projetos da pauta ambiental que são constantemente cobrados, tal como são as proposições sobre como mercado de carbono, economia circular e sobre bioinsumos.

Por isso, penso que o protagonismo é do Congresso, com o centro ainda direcionando as votações ao longo dos próximos quatro anos. O papel do Parlamento está mais forte, e apesar de existir sim um certo alinhamento as ideias do governo Bolsonaro com esta composição, nenhum presidente vai conseguir fazer um governo de sucesso sem negociar e debater com as duas casas legislativas.

 

10) Como a CNI planeja a atuação na defesa dos interesses do setor perante o Legislativo com esses novos parlamentares e quais são os principais desafios da nova legislatura?

Marcos: A CNI tem uma atuação muito antiga e já temos enraizada dentro da estrutura da entidade a questão da defesa de interesses tanto perante o Executivo quanto o Legislativo. A Confederação tem cultura de relacionamento com o Parlamento.

A CNI tem como meta conversar com os 513 deputados e os 81 senadores. Temos pautas que muitas vezes um partido de esquerda defende e muitas vezes um partido de direita defende, fazendo com que tenhamos interlocução com todos eles.

O nosso esforço agora, com o novo congresso, é conhecê-lo de maneira mais rápida possível. Nós saímos com relativa vantagem, já que, como falamos anteriormente, a renovação trouxe bastante gente conhecida no cenário político de volta e muitos com quem temos boa relação. Consideramos, de qualquer forma, que temos 227 novos deputados e a quem iremos contar como atuamos, a transparência como apresentamos nossa posição. É basicamente o que sempre fazemos a cada 4 anos.

 

11) Após o 2º turno, existem algumas semanas previstas de trabalho para a atual Legislatura. A CNI enxerga espaço para avanços da Agenda da Indústria?

Marcos: Eu acredito que sim, a depender do clima que se seguirá daqui para frente. A diferença pequena da margem de votos entre os presidenciáveis e a necessidade de segundo turno em várias capitais, diminuiu a possibilidade de votações imediatas após o 1º turno.

Nós tivemos um esforço para conseguir a votação de duas MPs essa semana, o Senado aprovou alguns acordos internacionais, mas com votação menor do que o esperado porque o resultado da eleição foi muito próximo, as campanhas continuam e há envolvimento de governadores nessas campanhas, mesmo daqueles que já foram eleitos em primeiro turno.

Historicamente, a pauta da indústria caminha bem ao final de sessões legislativas. Teremos, ainda por volta de 5 semanas pela frente e temos algumas pautas interessantes, matérias que estão prontas para votação. Como exemplo: o licenciamento ambiental no Senado, que já foi aprovado na Câmara e que tem muito consenso em cima do texto, mas depende de quem irá ganhar. Temos a legislação de energia elétrica muito bem avaliada, já aprovada no Senado, estando na Câmara com o relatório muito bem encaminhado, que tem muitas chances de andar logo depois de resolvido o segundo turno. Temos em plenário com urgência um projeto de obrigações tributárias acessórias, temos a desconsideração da personalidade jurídica, o código de defesa do contribuinte, temos muitas pautas. Muita coisa pronta para ser votada.

 

12) Qual sua opinião para os próximos dias de campanha? Os apoios serão determinantes no sucesso dos presidenciáveis? Os candidatos devem focar mais em propostas e menos em ataques?

Marcos: As propostas nós já conhecemos. Vejo reclamações na mídia, mas nós já conhecemos o que os dois candidatos têm a apresentar. Talvez o que possa gerar dúvidas, principalmente em relação ao mercado é a questão de indicações de nomes, mas nós sabemos o que virá e sabemos que terão que existir negociações com o centro para ambos os lados. Todos os dois vão precisar conseguir recursos para viabilizar as políticas públicas, os incentivos e benefícios que foram por eles apontados no período eleitoral, por exemplo.

Não gosto da discussão que caminha para ofensas religiosas de um lado para o outro, mas eu penso que o agravamento do debate é necessário, a polarização que sempre pedimos no passado e que veio agora, talvez não tenha vindo nos termos que nós gostássemos, no tom adequado, mas ela é necessária para maior clareza na apresentação de ideias e caminhos.

Acredito que teremos esforços nos estados onde cada um tem vantagem. Em Minas, São Paulo e Rio teremos campanhas muito mais aguerridas, onde já estamos vendo o envolvimento dos governadores eleitos nos esforços ao pleito presidencial.

É a campanha de convencimento, tentativa de retirada de votos de um ao outro e o debate das pesquisas eleitoras, não se fala mais tanto em urnas, mas na qualidade das pesquisas.

 

13) Ao final, qual sua conclusão sobre todo o processo e o que teremos por vir?

Marcos:  Nós estamos vendo com muita tranquilidade todo o processo, temos pautas para os dois candidatos, achamos que o Brasil vai continuar seguindo em uma linha positiva e a CNI espera poder ver aprovada uma reforma tributária, por exemplo, e o aprimoramento de nosso marco legal, a fim de incentivar o investimento produtivo em nosso País e a efetivação de novos negócios.