Atividade começa a voltar após restrições

22/04 – Fonte: Jornal Valor Econômico – Página: A10

 

A segunda onda da covid-19 abateu a economia quando ela começava a alçar voo, com um desempenho mais forte do que o esperado no início do ano. Agora, os economistas passam a ponderar se a atividade ensaia de novo uma reação, deixando mais uma vez o fundo do poço.

A provável recessão tende a ser menos intensa do que a do ano passado, porque famílias e empresas aprenderam a conviver com a pandemia e estão mais dispostas a correr riscos, mostrando um certo cansaço com as medidas de distanciamento social.

Mas a possível retomada tende a ser bem mais lenta e incerta do que em 2020. A nova onda da pandemia veio acompanhada de uma crise nas contas públicas, mais incerteza política e aceleração da inflação, o que empurra o governo e o Banco Central a retirar estímulos fiscais e monetários antes da plena recuperação.

O desempenho da atividade depende, ainda, de não ocorrer retrocessos na segunda onda e de não haver uma terceira onda mais grave. Os especialistas têm muitas dúvidas sobre a capacidade de o governo cumprir o cronograma de vacinação e expressam receios de que haja uma reabertura prematura da economia, provocada pelo descaso do governo ou pelo relaxamento da população.

“Parece que a recessão causada pela segunda onda da covid já começa a ficar para trás, os dados já estão em inflexão, começando a voltar”, afirma o economista Luka Barbosa, do Itaú Unibanco. “Para a recuperação continuar, precisa haver uma melhora na dinâmica do vírus e avanços na vacinação.”

O Itaú Unibanco vem medindo o pulso da economia em tempo real com o seu Índice Diário Atividade (IDAT), que utiliza, entre outros insumos, os dados das compras feitas por seus clientes em cartão de crédito e de débito.

Pela informação mais recente divulgada, em 12 de abril o indicador chegou a 93. O valor 100 representa o nível de março do ano passado, antes de o Brasil ser atingido pela pandemia. Nessa nova onda, o valor mais baixo ocorreu em 4 de abril, com 74. A média móvel de sete dias estava em 89 no dia 12 de abril.

Outras instituições financeiras, porém, que também construíram índices para acompanhar a economia em tempo real por enquanto não têm um quadro tão nítido de que o pior ficou mesmo para trás.

Para muitos, porém, a volta da economia deverá ser uma repercussão natural do relaxamento das medidas de distanciamento social adotada pelos Estados, depois de um começo de alívio na ocupação das UTIs. O governo de São Paulo, por exemplo, já permitiu a abertura de parte do comércio.

“A atividade começa a voltar, o efeito [econômico da segunda onda] foi muito concentrado na segunda metade de março e no começo de abril”, afirma a economista-chefe para o Brasil do JPMorgan, Cassiana Fernandez. “Mas não teremos a volta da economia como no ano passado, devido não só à restrição fiscal, mas também à monetária.”

O Banco Central se sobressai por sua visão otimista para a atividade econômica. Seu diagnóstico é que, da mesma forma que a economia voltou rapidamente na primeira onda, em formato de “V”, terá um grande dinamismo agora. A autoridade monetária deposita, também, uma boa dose de confiança no andamento e na eficácia das vacinas para que a reação da economia seja mais forte no segundo semestre.

Economistas alertam, porém, que a abertura muito rápida da economia na primeira onda da pandemia pode ser uma das causas da segunda onda, que aparentemente levou a um novo mergulho recessivo. Abrir muito rápido pode levar a um aumento de casos mais adiante e um novo baque na atividade econômica.

“Os dados do começo do ano estão dizendo que o distanciamento diminuiu e que a economia estava reagindo até mais rápido que o previsto”, afirma o diretor do ASA Investments, Carlos Kawall. “Por outro lado, o que a segunda onda está nos dizendo é que não dá para normalizar a economia tão rápido porque a pandemia volta.”

Com o vaivém da economia, os dados econômicos que estão saindo são um pouco confusos, com sinais aparentemente contraditórios.

As informações relativas aos meses de janeiro e fevereiro são, em geral, mais positivas do que a encomenda. Os dados preliminares de março, negativos.

Na segunda-feira, saiu o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que basicamente corrobora uma volta em “V” da economia a partir da primeira onda. O desempenho surpreendeu a maior parte do mercado.

Em fins de dezembro, muitos temiam que o fim do pagamento do auxílio emergencial e de alguns programas de crédito levasse ao chamado abismo fiscal. Tal qual o personagem Wile E. Coyote, do desenho animado “Papa-Léguas”, a economia mergulharia numa nova recessão, ao se ver sem o apoio das políticas governamentais.

Não foi o que aconteceu. Em janeiro, o IBC-Br já havia atingido o mesmo nível de antes da pandemia e, em fevereiro, passou a rodar acima dele. Ainda faltava uma pouco para convergir para o nível mais alto que, sem a pandemia, a economia poderia estar. Ainda assim, o desenho sugere uma recuperação em “V”.

Os economistas estão examinando no detalhe o que está por trás da surpreendente reação da economia, para checar se ela pode ocorrer de novo na segunda onda da pandemia. Uma das hipóteses mais citadas é que as famílias de renda mais alta tenham poupado no período mais crítico da pandemia e, logo em seguida, passaram a gastar mais.

Os cálculos do Itaú Unibanco são de que, no ano passado, a poupança chegou a 18% da renda disponível das famílias, quando o normal é que seja em torno de 11%. Mas essa poupança forçada vem sendo gasta ao longo do tempo e tende a acabar.

O crescimento mundial mais forte, graças a estímulos monetários e fiscais no exterior, está favorecendo as exportações de produtos manufaturados e também puxa os preços das commodities. A recomposição de estoques da indústria e a recuperação do mercado de trabalho – ainda que bastante lenta – também são citadas por economistas como fatores que ajudaram. Mas o relaxamento no distanciamento social pode ter sido um dos principais motores da atividade.

Os efeitos da segunda onda da pandemia devem ficar claros em março. “Vamos colher dados piores no mercado de trabalho, serviços, comércio”, diz Alessandra Ribeiro, economista-chefe da Tendências Consultoria.

“Teremos, sim, o efeito da pandemia, ainda que muito menor do que observamos na primeira onda”, afirma Alessandra.

“Todos os dados antecedentes de março mostram que a economia vai embicar, vai ser muito negativo”, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Estávamos num processo de normalização da economia, mas talvez, com essa leniência com a pandemia, vamos cair em um buraco de novo.”

Ainda não há consenso entre os especialistas se, de fato, a economia vai entrar em recessão técnica, com a queda de dois trimestres seguidos da atividade. A Tendências, por exemplo, projeta uma retração de 0,6% no primeiro trimestre e queda de 0,9% no segundo trimestre. Já o Itaú Unibanco trabalha com uma expansão de 0,5% no primeiro trimestre e uma queda de 0,5% no segundo trimestre – esta última sujeita a uma revisão para retração de 0,3%, diante dos números recentes que apontam uma inflexão na tendência de queda.

Apesar das divergências, o estrago fica mais claro nas projeções dos analistas econômicos para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021, que está em tendência de queda. Hoje, o consenso é uma expansão de 3,08%. Embora o número seja positivo, o seu sabor é de recessão, já que se a economia ficasse estagnada no patamar de 2020 o crescimento seria de 3,6%, devido ao efeito estatístico conhecido como carregamento.

A queda da economia não é tão grande como a que ocorreu no ano passado, quando chegou perto de 10% no segundo trimestre, porque empresas e famílias aprenderam um pouco mais sobre como lidar com a pandemia.

Silvia Matos, do Ibre, destaca que os serviços de tecnologia, dentro da Pesquisa Mensal dos Serviços (PMS), estavam em fevereiro 16,4% superiores a um ano antes. Os serviços técnicos profissionais avançaram 11%. Os dados do Itaú sobre compras com cartões mostram que, em um ano, a participação do e-commerce no consumo de bens passou de 12% para 22% em um ano.

O lado negativo, segundo Silvia Matos, é que serviços que usam mão de obra menos especializada estão ficando para trás, assim como os informais.

O fechamento da economia também passou a ser mais eficiente. No ano passado, por exemplo, setores industriais, como o automobilístico, fecharam completamente a produção. Além disso, há também maior exaustão da população e uma menor aderência às recomendações de proteção e distanciamento social.

Em 2020, a pandemia levou a uma deterioração nas condições financeiras e na incerteza na economia, mas o governo tinha instrumentos para se contrapor. O Banco Central injetou liquidez no mercado, facilitou a renegociação de empréstimos bancários e cortou os juros para 2% ao ano, o menor percentual da história. O governo, de outro lado, criou linhas para apoiar a manutenção de empregos, deu garantia de crédito a pequenas empresas e fez transferências diretas para as famílias.

Hoje, há de novo um aumento das incertezas e deterioração nas condições financeiras, mas os instrumentos para se contrapor a ela são limitados. O Banco Central está retirando estímulos, em vez de injetar, devido à aceleração da inflação. A política fiscal age de forma contracionista, apesar do novo auxílio emergencial, já que o déficit primário será reduzido de 9,44% do PIB em 2020 para os 3,05% do PIB estimados pelo mercado para 2021. As incertezas fiscais estão puxando os juros de mercado e o dólar para cima.

Esse aperto pode ser resumido no indicador das condições financeiras, que sintetiza indicadores como juros internos e externos, câmbio, preços de commodities e bolsa – e tem uma forte relação com o desempenho da economia meses adiante.

O ASA Investments estima que o indicador de condições financeiras está positivo, ou seja, já tem efeito contracionista sobre a economia. Outras estimativas, assumindo premissas diferentes, mostram que as condições financeiras ainda são estimativas, mas em um grau bem menor do que no começo deste ano

O aperto nas condições financeiras – em especial, a alta dos juros básicos – é um dos fatores que levam muitos economistas a prever uma retomada mais lenta da economia neste ano, em comparação ao formato de “V” observado no ano passado.

“A pandemia vem em ondas, costuma fazer curvas, costuma refluir, embora possa demorar mais. Por isso teremos a abertura da economia”, afirma Silvia Matos. “Mas o novo equilíbrio será ruim, com mais juros e menos crescimento. Esse é o legado para 2022.”

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que, na falta de ferramentas para estimular a economia, a alternativa para recuperar os níveis de confiança – favorecendo investimentos e consumo – seria retomar a agenda de reformas.

“Não é só a pandemia. Temos um governo que não funciona, o comportamento do Bolsonaro, o centrão dominando o Congresso, incertezas sobre a eleição com a volta de Lula, essas questões fiscais, ambientais`, afirma. `Não vamos conseguir aproveitar esse caminho reformista.”